No passado dia 25 de agosto foi publicada a Lei n.º 50/2020 que procedeu à transposição da Diretiva (UE) n.º 2017/828 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de maio de 2017 – que altera a Diretiva 2007/36/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de julho de 2007 –, relativa a direitos dos acionistas de sociedades cotadas no que concerne ao seu envolvimento a longo prazo.
Como é destacado no artigo 1.º, a Lei n.º 50/2020 procede à alteração (i) do Código dos Valores Mobiliários (doravante CVM), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de novembro; (ii) do Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo, aprovado em anexo à Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro; e (iii) do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro.
Ademais e de forma igualmente relevante, a Lei n.º 50/2020 revoga a Lei n.º 28/2009, de 19 de junho, diploma que, entre outras matérias, estabelecia o regime de aprovação e de divulgação da política de remuneração dos membros dos órgãos de administração e de fiscalização das entidades de interesse público (entre outras, as emitentes de valores mobiliários admitidos à negociação num mercado regulamentado).
De entre estas várias alterações operadas pela Lei n.º 50/2020 destacamos as que, introduzindo novas disposições no CVM, vêm regular a política remuneratória (cfr. artigos 26.º-A a 26.º-F e artigo 245.º-C), de tal modo que a aprovação de tal política pelas sociedades emitentes de ações admitidas à negociação em mercado regulamentado estão, desde 26 de agosto, sujeitas a novas diretrizes, de que destacamos as que se seguem.
- Note-se, antes de mais, que a política de remuneração apenas pode ser derrogada temporária e excecionalmente nos termos previsto no artigo 26.º -D, ou seja, para (i) servir os seus [das sociedades emitentes] interesses de longo prazo e a sua sustentabilidade ou (ii) assegurar a sua viabilidade.
- No que tange à aprovação da política de remuneração, o artigo 26.º-B prevê (i) a periodicidade de apresentação da proposta de política de remuneração à aprovação da assembleia geral; (ii) a competência para a sua apresentação e (iii) o procedimento a adotar no caso de a proposta não ter sido aceite.
Note-se o papel de destaque atribuído à comissão de remunerações, enquanto comissão responsável, em primeira linha (e se a sua designação tiver ocorrido), pela submissão da proposta de política de remuneração e bem assim de uma proposta revista, no caso de a mesma não ter sido inicialmente aceite. Este papel destacado está em linha, de resto, com as recomendações de soft law que preconizam a sua designação (cfr. Recomendações V.2.1 e ss. do Código de Governo das Sociedades do Instituto Português de Corporate Governance (IPCG) de 2018).
No que respeita à periodicidade da submissão de uma proposta de política de remuneração à aprovação da assembleia geral, a lei parece pretender coincidir com o período que tende a ser o do mandato dos órgãos sociais – muitas das vezes de quatro anos –, o que se revela favorável em face da necessária perspetiva plurianual em que deve assentar esta política. Isto sem prejuízo de a submissão poder suceder sempre que ocorra uma alteração relevante da política de remuneração vigente.
Quanto à submissão da proposta da política de remuneração à aprovação da assembleia geral, o preceito evidencia o princípio say on pay, o que não revela propriamente uma novidade atento o já previsto, para as entidades de interesse público, no n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 28/2009.
- O artigo 26.º-C dispõe sobre o conteúdo da política de remuneração. Se, por um lado, o preceito prevê diretrizes genéricas e abstratas que devem balizar a elaboração daquela política – como sejam a clareza, a percetibilidade, a contribuição para a estratégia empresarial da sociedade, para os seus interesses de longo prazo e para a sua sustentabilidade –, por outro, o legislador procurou concretizar aquelas linhas condutoras impondo a obrigação de explicar, explicitar e descrever como se alcançam aqueles propósitos, de modo a favorecer a clareza e transparência; destaque-se neste contexto, entre outros, a obrigatoriedade de descrever as diferentes componentes da remuneração fixa e variável [alínea c)] e, relativamente à remuneração variável, potencialmente atribuível a administradores, a necessidade de identificação dos critérios, métodos, períodos de diferimento e a possibilidade de solicitar a restituição de remuneração variável já entregue (n.º 3); sublinhem-se igualmente as exigências informativas acrescidas nos casos (pouco usuais na realidade das sociedades cotadas portuguesas) de a remuneração contemplar a atribuição de uma componente com base em ações (n.º4).
Quando comparada esta norma com as várias alíneas do n.º 3 do artigo 2.º da Lei n.º 28/2009 é facilmente percetível que aquela introduz algumas novidades – como, por exemplo, as alíneas e) e f) – e clarifica ou amplia as exigências feitas em outras alíneas dessas alíneas, como parece ser o caso das alíneas a) e c).
- A política de remuneração das sociedades cotadas deve ser de conhecimento público e gratuito e para tanto deverá ser objeto de publicação no sítio da Internet da sociedade. Esta obrigação contribui também sobremaneira para o acolhimento de boas práticas veiculadas nas recomendações constantes do Código de Governo das Sociedades do IPCG de 2018 e oferece continuidade face ao que anteriormente se previa no (revogado) artigo 3.º da Lei n.º 28/2009.
- O artigo 26.º-F reveste-se de grande importância na medida em que esclarece algumas dúvidas que subsistiam quanto à questão de saber, com segurança, o que sucedia nos casos de a assembleia geral ainda não ter aprovado uma política de remuneração para a sociedade ou, noutra hipótese, de a assembleia geral não aprovar a nova política de remunerações que lhe fora proposta. Nos termos do aludido preceito – e sem prejuízo dos casos excecionais e temporários previstos no artigo 26.º-D – a resposta encontra-se, respetivamente, nos n.ºs 1 e 2: até à aprovação de uma política de remuneração, as práticas remuneratórias existentes mantêm-se em vigor (n.º 1) e uma política de remuneração aprovada pela assembleia geral encontra-se em vigor até a assembleia geral aprovar uma nova política de remuneração (n.º 2).
- Por fim, mas não menos importante, o também aditado artigo 245.º-C tem em vista promover a clareza e a transparência, prevendo a obrigatoriedade de o órgão de administração das sociedades cotadas elaborar (e proceder à futura publicação de) um relatório claro e compreensível, que transmita uma visão abrangente das remunerações, dispondo o seu n.º 2 sobre as informações mínimas a transmitir sobre cada membro do órgão de administração e fiscalização. Os membros daquele órgão são também responsáveis por garantir a elaboração e publicação do relatório.
À semelhança do que sucede com a política de remunerações, este relatório também é publicado no sítio da Internet da sociedade, após submissão à apreciação na assembleia geral e pode ser substituído por um capítulo no relatório anual sobre governo societário (n.º 8), o que pode revelar-se até mais benéfico em termos estruturais.
O quadro regulatório que brevemente expusemos evidencia que a Lei n.º 50/2020 chegou tarde, mas veio por bem, contribuindo para uma maior quantidade e qualidade da informação a prestar ao mercado e tem também o mérito de evitar alguma dispersão legislativa anteriormente existente.