A nova era de ativismo dos trabalhadores

Artigos Destaque - Grid Notícias

Quando pensamos em ativismo, tendencialmente associamos a situações de tumulto social ou outras formas de comportamento disruptivo. No entanto, os canais digitais a que hoje temos acesso, conjugados com um particular contexto turbulento socioeconómico e cultural, criam condições para que um número inexpressivo de vozes descontentes dentro das empresas, possa evoluir em crescendo para movimentos de dimensão que extravase o perímetro corporativo e se propague além-fronteiras, ganhando força e visibilidade junto de investidores e da sociedade em geral – é a nova era de ativismo dos trabalhadores.

Adicionalmente, não são apenas as reivindicações tradicionais, por melhores salários e condições de trabalho, a marcar a agenda destes protestos. São também outras preocupações de ordem social e ambiental.

O ativismo no local de trabalho ganhou mais relevância com entrada das gerações millenials e Z no mercado de trabalho. Os trabalhadores destas gerações demonstram prestar maior atenção ao propósito das empresas para as quais trabalham e não ficam indiferentes ao posicionamento dos seus empregadores face a questões políticas, sociais e ambientais. Não concebem um desalinhamento dos seus próprios princípios e valores com aqueles da empresa à qual pertencem. Assumem-se como agentes internos de mudança e pressionam uma tomada de posição dos seus empregadores, sendo partes interessadas em relação a temas como sustentabilidade; redução das emissões de carbono; poluição; promoção de diversidade e inclusão; ética; melhoria das condições de segurança no trabalho e saúde mental [1].

As manifestações desta forma de ativismo podem variar dentro de um espectro alargado, podendo ser mais disruptivas ou persuasivas, apoiadas em métodos tradicionais ou mais inovadores. Como exemplos podemos enumerar petições, campanhas, cartas abertas, manifestações, greves, paralisações de fábricas, embargos a produtos ou serviços, publicações ou outras manifestações nas redes socias. Têm assumido maior relevância sobretudo as manifestações por via de canais digitais, pela facilidade de utilização e pelo seu poder de dispersão. Independentemente da tática que têm subjacente, é importante que a empresa preste a atenção que lhes é devida e não se deixe levar pela tentação de gerir estas manifestações internas de forma reativa, apressada e pouco estruturada. A falta de posicionamento estratégico na resposta a dar a estes eventos internos, pode levar a um efeito de contágio do sentimento de descontentamento, com proporções a uma escala global, e transversal a várias indústrias, como é o caso dos fenómenos recentes do great resignation[2] e quiet quitting[3].

Mas qual o impacto para as empresas destas formas de ativismo dos seus trabalhadores? Estes fenómenos vêm alterar a dinâmica da relação entre empregador e empregados no local de trabalho, introduzindo na equação preocupações externas à vida corporativa ou à situação pessoal do trabalhador e dando um poder sem precedentes aos trabalhadores. O sentido de dever, submissão e dependência que marcou historicamente a cultura corporativa, não encaixa no sentimento de independência e empoderamento por parte dos trabalhadores das novas gerações.

Esta evolução tem desde logo impacto ao nível da atratividade das empresas: tem-se verificado que em processos de recrutamento, os candidatos consideram cada vez mais aspetos como – por exemplo – a cultura da empresa, a diversidade, a preocupação com a saúde mental dos seus recursos humanos, a flexibilidade no trabalho e o desempenho ambiental; na sua decisão de aceitar ou rejeitar uma oferta de emprego. Isto demonstra que existe uma relação positiva entre a responsabilidade social e ambiental das empresas e a sua capacidade de atrair e reter talento.

Por outro lado, não pode ignorar-se que a penetração de assuntos de cariz político e social na vida da empresa, pode ser um fator de distração, de desmotivação e, consequentemente, de redução de produtividade. Mas mais relevante ainda, será o impacto que a divulgação pública de problemas internos a este nível pode ter de um ponto de vista estritamente comercial, uma vez que a deterioração da reputação por publicidade adversa em questões sociais e ambientais, pode afastar os consumidores.

Posto isto, sendo o ativismo no local de trabalho um fator de risco potencial para as empresas, sobretudo de riscos legais e reputacionais, é recomendável uma monitorização desse risco e a identificação e implementação de medidas de mitigação. No entanto, é uma oportunidade perdida limitar a abordagem a este tópico à gestão da ameaça, ignorando que o seu impulso pode ser aproveitado como um fator de mudança numa perspetiva estratégica de longo prazo.

Vejamos então como poderão alavancar-se internamente as lições retiradas de ações promovidas pelos trabalhadores.

Trabalhar na definição clara da missão e valores da empresa, identificando de forma transparente a inclusão (ou não) no perímetro da sua atuação, de iniciativas de ordem social ou ambiental que vão de encontro aos interesses dos seus stakeholders. Assegurar, ao longo do processo, um diálogo contínuo em ambos os sentidos, que promova um envolvimento ativo dos trabalhadores nos assuntos internos da organização. Ainda que nem sempre haja uma convergência entre as decisões da empresa e a expetativa dos seus trabalhadores, esta forma de envolvimento terá um impacto positivo no sentimento de pertença e na confiança dos trabalhadores.

Investir numa uma estratégia adequada de comunicação dessa missão e valores. Desde logo assegurando que a comunicação é feita de forma transparente e não gera falsas expetativas quanto ao posicionamento da empresa face a certos temas. Por outro lado, preparar um plano de resposta, robusto e estruturado, perante a emergência de vozes discordantes. O silêncio e a impreparação podem causar maior prejuízo do uma posição impopular.

Definir um código de conduta que estabeleça as fronteiras entre os comportamentos aceitáveis e não aceitáveis relacionados com a tomada de posição publicamente face a certos assuntos, a contactos com a comunicação social e outras entidades externas, ou a publicações em redes sociais dentro ou fora do horário de trabalho.

Conhecer a todo o momento o sentimento generalizado na empresa quanto a vários aspetos da vida interna e externa, mediante a realização frequente de questionários e workshops. As conclusões desses exercícios ajudam na definição de estratégias para proteger e alimentar a confiança e a lealdade dos trabalhadores.

Implementar programas de mentoria inversa, em que o papel de mentor é assumido pelo trabalhador que se encontra numa posição hierárquica inferior ao seu mentorado. Ao facilitar a partilha de experiências em sentido inverso (bottom-up), esta iniciativa pode ajudar a identificar e mitigar preconceitos existentes que não sejam percetíveis de forma geral pelos agentes decisores e funcionar como uma importante ferramenta para definir de forma inclusiva a cultura organizacional.

Criar condições para que trabalhadores das várias hierarquias da empresa, sobretudo que sejam representativos de diferentes gerações, géneros, raças ou etnias; participem em grupos de trabalho com a administração em projetos estratégicos. Esta interação paralela à administração (shadow board) permite alavancar as ideias e contributos desses trabalhadores e diversificar as perspetivas a que a administração está exposta. Permite, além disso, estimular o sentido de pertença e compromisso dos trabalhadores.

O reconhecimento de que é crucial incorporar no seio das empresas novos modelos de relacionamento com os trabalhadores, gerindo as tensões atuais e futuras, de forma a canalizá-las para uma plataforma de entendimento e visão comuns, é uma prioridade no “G”, do ESG.

____________________________________________________

[1] Vide The Deloitte Global 2022 Gen Z and Millennial Survey.

[2] Termo atribuído ao Professor da UCL School of Management, Anthony Klotz, e utilizado pela primeira vez em 2021.

[3] Vide World Economic Forum, “What is quiet quitting?”, September 2022.