A proposta da Comissão de 20 de setembro para revisão do EMIR

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O Regime de autorização e reconhecimento de CCPs… e o Brexit

Quando, em junho de 2017, a Comissão Europeia propôs a alteração do Regulamento (UE) n.º 1095/2010, que criou a Autoridade Europeia de Supervisão (Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados – ESMA), e do Regulamento (UE) n.º 648/2012, relativo aos derivados de mercado de balcão, às contrapartes centrais e ais repositórios de transações (EMIR),  no intuito de reforçar o enquadramento regulatório aplicável, ficou claro que quadro que se pretendia aplicar seria que as Contrapartes Centrais (CCPs) europeias encontrar-se-iam sujeitas à supervisão das autoridades de supervisão nacionais de forma articulada com a ESMA e que as Contrapartes Centrais de países terceiros seriam sujeitas a requisitos específicos, os quais estariam dependentes caso tenham, ou não, relevância sistémica.

Com as negociações para a saída do Reino Unido da União Europeia o tema ganhou uma reforçada relevância.

Com efeito, o papel das CCPs[1] no âmbito dos mercados financeiros é grande relevo na medida ao interpor-se entre as contrapartes em contratos negociados assegura que os contratos negociados são, efetivamente, cumpridos; relevância essa que não é reduzida quando vista de uma perspetiva estritamente bilateral, na medida em que interposição de uma CCP permite reduzir o risco de crédito de contraparte, o qual se consubstancia no risco de incumprimento por uma contraparte numa transação antes da liquidação final dos respetivos fluxos financeiros. Adicionalmente, numa perspetiva multilateral, de mercado, a intervenção da CCP permite a mutualização do risco, em especial por via da atuação dos membros compensadores[2].

A atividade das CCPs gere, assim, riscos significativos para os mercados financeiros, em especial o risco de liquidez e de mercado, incrementando a resiliência dos mercados e do sistema financeiro.

Autorização e reconhecimento

O regime atual

O EMIR concretizou um conjunto de requisitos organizacionais, de conduta e prudenciais aplicáveis às CCPs, cuja autorização e registo passou a encontrar-se sujeito à sua aplicação.

Neste quadro, as autoridades nacionais são responsáveis pela concessão de autorização às CCPs europeias, as quais, nos termos do artigo 18.º/1 do EMIR, devem estabelecer, gerir e presidir a colégios de supervisores que tem por objeto agilizar o procedimento de concessão ou recusa da autorização concedida ao abrigo do artigo 17.º do EMIR, devendo o colégio ser composto pelas entidades identificadas no artigo 18.º/2 do EMIR.

A este respeito importa ter presente que com a implementação do Mecanismo Único de Supervisão (SSM), instituído pelo Regulamento (UE) n.º 468/2014, que constitui o regulamento quadro do SSM[3], a ESMA publicou a sua opinião sobre a composição de tais colégios[4], segundo o qual sempre que o BCE tenha assumido a supervisão prudencial de um membro compensador de uma CCP estabelecido em 3 Estados Membros que sejam os maiores contribuidores para o fundo de proteção de uma CCP, o mesmo deve integrar o colégio.

Por outro lado, o artigo 25.º/6 do EMIR estabelece que as CCPs de países terceiros que pretendam prestar serviços na União Europeia deverão ser reconhecidas pela ESMA, na medida em que se encontra sujeitas a um regime jurídico equivalente.

O reconhecimento de tal equivalência depende da demonstração da autoridade do país terceiro que as regras aplicáveis permitem atingir os mesmos objetivos das regras europeias.

O Regime proposto

Com a nova proposta da Comissão pretende-se manter o essencial do quadro regulatório aplicável às CCPs europeia, alterando-se, significativamente, as regras aplicáveis às CCPs de países terceiros, as quais passariam a ser supervisionadas consoante tenham, ou não, relevância sistémica, sendo as CCPs sem relevância sistémicas apelidadas de “Tier 1 CCP’s” e as CCPs com relevância sistémica apelidadas de “Tier 2 CCP’s”, estas sujeitas a requisitos mais exigentes[5].

Com efeito, para além de atribuir novas atribuições à ESMA, em especial de supervisão direta[6], criando a sessão executiva das CCPs (decorrente de um novo formato de supervisão a ser realizado no âmbito do Board of Supervisors da ESMA[7], sendo ainda estabelecidas regras sobre a articulação entre a sessão executiva em causa e as do Diretor Executivo da ESMA) e passando a dispor de prerrogativas de acesso direto a informação, à realização de ações de supervisão presenciais e sancionatórios (artigo 25.º/2/a e 25.º/2/b e artigos 25.º-A ao 25.º-M, todos, da proposta da Comissão) é, ainda, assegurado o financiamento das mesmas[8].

Paralelamente é ainda reconhecido um novo papel à ESMA e aos Bancos Centrais, relevantes, na supervisão de CCPs de países terceiras relativamente às quais haja sido emitida uma decisão de reconhecimento (artigos 25.º-B a 25.º-N da proposta da Comissão)

Neste contexto, as CCPs à qual a ESMA não reconheça relevância sistémica manter-se-iam sujeitas ao reconhecimento e decisão de equivalência em termos muitos similares aos atuais (artigos 25.º e 25.º-A), ao passo as CCPs com relevância sistémica.

Por último, o artigo 49.º da proposta da Comissão vem ajustar os modelos e parâmetros referentes ao cálculo das margens requeridas às CCPs.

Foi, pois, neste contexto que em 20 de setembro de 2018 que a Comissão apresentou uma Proposta de ajustamento[9] à proposta anterior, e que versa, essencialmente, sobre as matérias objeto das sessões executivas das CCPs.

[1] Definida no artigo 2.º/1) do EMIR como “uma pessoa coletiva que se interpõe entre as contrapartes em contratos negociados num ou mais mercados financeiros, agindo como comprador perante todos os vendedores e como vendedor perante todos os compradores”.

[2] Definido no artigo 2.º/14) do EMIR como “uma empresa participante numa CCP e que seja responsável pelo cumprimento de obrigações financeiras decorrentes dessa participação”

[3] Com interesse para este ponto veja-se BCE/2014/17.

[4] Disponível aqui

[5] Proposta disponível aqui

[6] Veja-se os artigos 35.º, 53.º, 63.º e 70.º da proposta da Comissão.

[7] Artigos 44.º-A a 44.º-C, 48.º-A, 49.º e 50.º.

[8] Veja-se os artigos 21.º-A a 21.º-C da proposta da Comissão.

[9] Disponível aqui