Apesar da estreita ligação entre a crise associada ao sub-prime e a performance das sociedades de notação de risco (rating agencies), estas têm mantido ou mesmo reforçado a sua importância. O seu papel não se modificou drasticamente na sequência daquela crise. Continuam, hoje como antes do Verão de 2007, a funcionar como único ou principal barómetro ou condição sine qua non de investimento para muitos investidores.
Este protagonismo decorre da percepção do mercado quanto à credibilidade das opiniões das rating agencies. Para além desta causa, dir-se-ia “natural”, outros factores têm contribuído para acentuar o relevo dado às notações de risco, em especial a relevância que a lei tem atribuído ao rating. Neste quadro, o rating ganha terreno e importância, pois não só os agentes do mercado, mas também as próprias normas jurídicas, reconhecem-lhe um papel relevante.
Porém, várias iniciativas têm vindo a ser tomadas para remover referências ao rating em textos legais. Recentemente, a SEC propôs alterações com incidência no Investment Company Act de 1940 e regulamentação complementar. Porquê? Citando Mary L. Schapiro (chairman da SEC): “the focus of these efforts is to eliminate over-reliance on credit ratings by both regulators and investors, and encourage an independent assessment of creditworthiness”. Ver aqui o comunicado completo.
O reconhecimento legal do rating não é, em si mesmo, pernicioso. Ou melhor: não é sempre pernicioso. Pode ser pernicioso quando a lei reconhece valor ao rating acriticamente, sem atender à concreta notação. Nesse caso o rating vale por si, só por existir, independentemente do seu conteúdo. Exemplos deste tipo de relevância legal podem encontrar-se no art. 349.º/4-b) do Código das Sociedades Comerciais, relativo aos limites para emissão de emissão de obrigações, ou no art. 4.º, n.º 1, al. b) do DL 69/2004, de 25 de Março, referente aos limites para emissão de papel comercial.
Mas há casos em que a relevância legal do rating pode ser um bom critério para afastar investimentos demasiado arriscados para os investidores. Bons exemplos podem encontrar-se no art. 17.º/1-b) do DL n.º 59/2006, de 20 de Março – um dos tipos de outros activos que podem integrar o património autónomo de que beneficiam os titulares de obrigações hipotecárias são depósitos à ordem ou a prazo constituídos junto de instituições de crédito com notação de risco igual ou superior a «A-» ou equivalente – ou no art. 34.º, n.º 6, al. d) do Regime Jurídico dos Organismos de Investimento Colectivo – relativo aos casos em que uma entidade gestora pode adquirir, por conta própria, valores mobiliários.
O primeiro tipo de menções pode veicular a ideia de que uma sociedade, por ser objecto de notação de risco (pense-se no caso de o rating atribuído ser D!), poderá praticar actos que de outro modo lhe estariam vedados pois apresenta um risco de crédito inferior ao de uma sociedade que não tenha notação de risco (porque nunca o solicitou ou porque o mercado nunca o exigiu) mas que, não obstante, apresenta uma saúde financeira mais robusta. Já o segundo tipo de menções pode ter uma função decisiva e actuar como filtro protector dos investidores.
A atribuição de um rating e a respectiva relevância legal não podem nem devem substituir a análise de investimento que cada investidor deve, necessariamente, realizar antes de tomar uma decisão. Nem os investidores profissionais, designadamente os bancos de investimento, se devem demitir dessa função quando adquirem para carteira própria ou de clientes produtos objecto de rating ou aconselham o investimento nesses produtos. Pelas mesmas razões, a governação financeira de uma qualquer sociedade não deve prescindir sem mais da análise própria de cada investimento realizado simplesmente por ter sido atribuído determinado rating.
Para que a presença de referências ao rating em textos legais continue a ter méritos é preciso que as rating agencies sejam bastiões de credibilidade. Para esse efeito, o grande trabalho legal que há que fazer reside ao nível dos procedimentos e metodologias aplicados pelas rating agencies, com vista à pronta divulgação de informação adequada e à prevenção de conflitos de interesses.
Escrito por Hugo Moredo Santos / Orlando Vogler Guiné