O contexto nacional de austeridade recoloca no centro do debate questões de governo das sociedades. O momento actual, mais do que nunca, obriga à eliminação dos desperdícios, à correcção das ineficiências organizativas e à substituição dos gestores incompetentes. Estes dados afectam as empresas privadas e públicas. Porém, detemo-nos aqui em particular no governance das empresas públicas, por serem aquelas que mais directamente são atingidas com a aplicação do regime constante da Lei de Orçamento de Estado.
Interessa em particular a tendência actual de restrição à variabilidade remuneratória de dirigentes de empresas públicas. Reveladores desta tendência são, o artigo 172.º da Lei de Orçamento de Estado para 2010, que estabeleceu a proibição de as entidades públicas estaduais retribuírem os seus gestores com prémios individuais de desempenho, bem como o Despacho n.º 5696-A/2010 do Ministro das Finanças, o qual determinou, embora a título excepcional, que fosse adoptada, por todo o sector empresarial do Estado, uma política assente na contenção acrescida de custos no que toca à remuneração dos membros dos respectivos órgãos de administração, a qual se traduz, designadamente, na não atribuição, nos anos de 2010 e 2011, de qualquer componente variável de remuneração. A compreensão dos efeitos da interdição da variabilidade remuneratória estabelecida pelo referido regime exige o seu prévio enquadramento. A este respeito, convém fixar, a título preliminar, que a atribuição de remuneração variável aos membros executivos dos órgãos de administração em função de indicadores do desempenho societário é permitida em geral, recebendo confirmações por lei, nomeadamente para as sociedades anónimas (art. 399.º n.ºs 2 e 3 CSC) e para as empresas públicas (art. 13.º-B, n.º 1 g) do DL n.º 558/99, de 17 de Dezembro e art. 28.º do Estatuto do Gestor Público). Para os demais dirigentes vinculados por contrato de trabalho, a admissibilidade de remuneração variável decorre do art. 261.º do Código do Trabalho.
Além de ser permitido, o estabelecimento de uma remuneração variável para administradores com funções executivas é igualmente recomendado pela generalidade dos Códigos de bom governo societário. Tal funda-se na aptidão que a remuneração variável revela enquanto instrumento de são governo societário e, nessa medida, enquanto meio de atingir uma maior eficiência na gestão de empresas, sejam estas privadas ou públicas.
Com efeito, a variabilidade da remuneração serve de trave mestra à estrutura de incentivos societários ao lograr, a título principal, atingir os seguintes objectivos: a um tempo, propicia uma maior adequação entre remuneração e o desempenho (pay for performance), de modo a captar e a fidelizar os gestores mais competentes e talentosos, enquanto, a outro, favorece um alinhamento de interesses entre os administradores e os interesses de longo prazo da sociedade, o que se assegura quando os key performance indicators são avaliados num horizonte temporal mais dilatado.
A remuneração variável exibe, além do mais, uma extrema plasticidade, o que justifica o seu ajustamento mesmo em caso de ciclos financeiros ou económicos de maior contenção (v.g. através do maior diferimento da prestação variável e da fixação de um limite máximo (cap) à prestação retributiva), sobretudo atendendo à possibilidade de conformar a referida componente remuneratória de forma a que, em caso de incumprimento dos objectivos fixados para a sociedade, não haja lugar a qualquer pagamento variável.
Este esclarecimento mostra-se relevante para entender que, do ponto de vista estrutural, a interdição de remuneração variável encerra em si uma contradição entre a sua teleologia e a sua estatuição. Com efeito, ao ser movido, como admite o próprio enunciado legal, por um objectivo de superação das circunstâncias financeiras excepcionais que o País atravessa, a proibição do estabelecimento de remuneração variável pode produzir o efeito exactamente contrário ao pretendido. De um lado, enfraquece o incentivo à maximização do desempenho dos dirigentes, abrindo a porta a performances sub-óptimas nas empresas abrangidas. De outro lado, esta medida pode agravar as dificuldades no recrutamento de gestores públicos de primeira linha, com consequências indesejáveis na performance do tecido empresarial público. Ou, alternativamente, pode desembocar num aumento da parcela fixa da prestação remuneratória. Se a isto somarmos o princípio laboral de irredutibilidade da prestação remuneratória, percebe-se que a curto ou a médio prazo tal solução pode fazer aumentar os encargos remuneratórios, com maior rigidez e permanência do que sucede presentemente.
De outro modo dito, o contexto de dificuldade orçamental deve propiciar um aperfeiçoamento dos incentivos societários no sector empresarial do Estado, em vista de um aprimoramento do desempenho e da redução de ineficiências e de custos. A interdição de remuneração variável conduz ao resultado exactamente oposto.