O ano de 2020 que agora terminou vai ser recordado nos livros de história como o ano da pandemia de Sars-Cov-2. Um ano de desafios verdadeiramente globais aos quais nenhum país escapou. Um pouco por todo o mundo, perderam-se vidas, as economias pararam, destruíram-se famílias, perderam-se empresas e emprego. Mas existe uma outra versão da história. Nas crises, tensões e aspetos até então ignorados tornam-se salientes e óbvios. A pandemia mostrou-nos que governos e multinacionais têm papéis distintos e complementares e que quando cooperam para fins comuns criam valor económico e social extraordinário. Na realidade, a pandemia veio mostrar a importância de uma sociedade saudável e funcional para o funcionamento da economia e a prosperidade coletiva. Um dos produtos de sucesso desta crise é justamente o reconhecimento por parte de governos, investidores e empresas de que é inevitável e urgente mudarmos o paradigma de desenvolvimento económico e social que persegue crescimento do valor económico, para um modelo que reconhece as relações de longo prazo entre o social, o ambiental e o económico. Por outras palavras, a procura permanente de um racional de sustentabilidade passará a ser central no governo das organizações públicas e privadas.
A eleição de Joe Biden e o esperado regresso dos Estados Unidos ao Acordo de Paris e o lançamento do Green Deal pela Comissão Europeia como novo motor do crescimento económico da região, combinam com o contexto de pandemia para que se assista em 2021 a um investimento sem precedentes, público e privado, na direção de um modelo de desenvolvimento sustentável.
No mercado de capitais tem-se assistido desde o início do ano 2020 a um crescimento sem precedentes no número de fundos de gestão de ativos que utilizam critérios ESG (Environmental, Social, Governance) para decisões de (des)investimento e no volume de Assets Under Management (AUM). Os números atuais do universo de investimento sustentável variam de forma substancial de acordo com a definição de ESG adotada: desde $560 biliões de acordo com o relatório do Fundo Monetário Internacional de 2019, até a uns incrivéis $30.7 triliões de acordo com a Global Sustainable Investment Alliance (GSIA).
Este push por parte da comunidade de investidores irá ser crescente á medida que legislação e regulamentação complementar vai sendo implementada por parte dos governos de variados países.
As empresas listadas em bolsa e outras que pela sua dimensão ou atividade têm especial relevância em matéria de ESG estão também a adotar e a integrar, de forma crescente, fatores ESG na sua missão, estratégia, modelo de negócio, risco, compensação executiva e comunicação com os seus stakeholders. Contudo, existem diferentes racionais para o fazer bem assim como importantes barreiras à sua integração plena.
Principais racionais e barreiras para a adoção dos fatores ESG pelas empresas
Um estudo recente com cerca de mais de 100 empresas cotadas na bolsa de Londres e um conjunto de 50 investidores aponta para dois racionais fundamentais para a (não) adoção e integração dos fatores ESG.
Gestão do risco e atração de financiamento. Muitas empresas utilizam os fatores ESG enquanto instrumento de gestão do risco estratégico e atração de capital. Para estas empresas os fatores ESG são um instrumento que permite legitimar as suas atividades e obter capital de confiança do mercado. São empresas preocupadas com riscos reputacionais inerentes à atividade e que implementam ESG sobretudo em resposta às solicitações regulatórias, dos investidores e de grupos de pressão ambientalistas e sociais. Empresas típicas são aqui as empresas de energias não-renováveis, extrativas, aeroespacial, embora se possam encontram exemplos um pouco por todos os setores.
Vantagem competitiva sustentável e crescimento do negócio. Um outro conjunto de empresas, utilizam os fatores ESG como fonte de vantagem competitiva e de crescimento do negócio. Estas empresas têm um racional profundo relacionado com a sustentabilidade e os fatores ESG. Os fatores ESG são centrais no modelo de negócio e estão presentes em toda a cadeia de valor da empresa e até da indústria. São empresas cujos fatores ESG são importantes para clientes e fornecedores, e são estes que são a “driving force” da sua adoção e integração. As empresas de distribuição, de grande consumo, telecomunicações, alimentares e também as empresas de construção, são encontradas tipicamente nesta categoria.
Existe, contudo, um número ainda significativo, embora decrescente, de empresas, que consideram os fatores ESG uma “moda” ou “invenção regulatória” desnecessária e que constitui um travão ao crescimento dos negócios. Estes negócios, não acreditam que deva ser papel da iniciativa privada preocupar-se com fatores sociais e ambientais além dos estritamente consignados na lei dos países onde operam. Além disso, não acreditam que os fatores ESG estejam relacionados com o desempenho de longo prazo do negócio nem com a sua resiliência. A maximização do valor acionista continua a ser a única métrica pela qual o sucesso é medido.
Independentemente do racional adotado pelas empresas existem ainda um conjunto de barreiras para a implementação e integração dos fatores ESG de forma significativa.
Às diferentes motivações das empresas para integrar os fatores ESG em tudo o que fazem, juntam-se também diferentes barreiras que tornam a adoção dos fatores ESG mais difícil. A principal barreira é o mind-set dos administradores e as rotinas da generalidade das empresas cotadas que enfatizam o curto-prazo e os resultados financeiros. Outras barreiras incluem a pluralidade de frameworks / standards, as visões muitas vezes díspares apresentadas por diferentes acionistas e investidores, e a falta de competências das próprias empresas para levar a cabo uma verdadeira transformação do negócio em direção a um modelo mais sustentável.
7 Passos que os Conselhos de Administração devem considerar
Para garantir que a agenda ESG é implementada com significado e de forma transformadora existem alguns passos que os conselhos de administração podem tomar.
- Rever a composição do conselho de administração. Os fatores ESG e a sustentabilidade implicam uma mudança de perspetiva e um conjunto de competências que possivelmente não existem hoje em muitos conselhos de administração. Essas competências não devem ser subsidiárias ao conselho ou trazidas apenas por um especialista externo ao conselho. Elas devem estar bem representadas no próprio conselho porque os fatores ESG e a agenda da sustentabilidade vão ao âmago do propósito do negócio e são assim uma responsabilidade inalienável do conselho e dos seus administradores. Assim a matriz de competências do conselho tem de ser revista e alguns administradores poderão ter que sair. Não será de descartar a criação de uma comissão dentro do conselho com especiais responsabilidades de supervisão nesta matéria.
- Criar rotinas no conselho de administração. O tema da sustentabilidade e ESG deve ter lugar de destaque na agenda do conselho como um item permanente e deve estar fortemente embebido particularmente em sessões de discussão estratégica, e nos subcomités do conselho de nomeação e remuneração e de governo e responsabilidade social, no caso de não haver um comité agregador. Pode também haver um administrador que em todas as discussões traga a perspetiva da sustentabilidade.
- Garantir que existem papéis e responsabilidades claras. Em geral, deve o conselho ter o “ownership” da agenda de sustentabilidade e ESG, e o CEO deve ser claramente o responsável pela execução dessa agenda. Os fatores ESG devem estar perfeitamente integrados no desenho dos pacotes de compensação executiva que devem privilegiar o desempenho ao longo de horizontes de tempo mais longos.
- Determinar o propósito da empresa e integrar os fatores ESG do desenvolvimento da estratégia. A determinação de um propósito para a empresa que permita a integração da sustentabilidade na sua própria razão de existir é um ponto de partida fundamental. O ponto seguinte, é exatamente garantir que o desenvolvimento da estratégia e a sua implementação estão perfeitamente alinhados com os fatores ESG materiais para o negócio.
- Escolher uma framework para pensar e reportar em matéria de sustentabilidade. Existem várias frameworks / standards que foram estabelecidas para facilitar a monitorização do progresso e compliance por parte de empresas e investidores com os Sustainable Development Goals (SDG´s) e /ou o Acordo de Paris. Algumas das frameworks / standards mais relevantes incluem: Global Reporting Initiative (GRI); Sustainability Accounting Standards Board (SASB); Taskforce on Climate-related Financial Disclosures (TCFD) e; The Principles for Responsible Investment. Num futuro próximo, espera-se que esta escolha seja facilitada através da anunciada colaboração das principais organizações de sustentabilidade e reporte integrado para o desenvolvimento de uma framework única.
- Identificar as melhores práticas dentro e fora do setor. Uma boa forma de começar é sempre examinar as melhores práticas dentro do setor e para além dele. Existem hoje empresas com mais de uma década de sólida experiência em matéria de sustentabilidade e fatores ESG. Por exemplo, a UNILEVER desenvolveu toda uma estratégia – o chamado “Sustainable Living Plan” – á volta da sustentabilidade com objetivos ambiciosos e remuneração do executivo com base nesses objetivos de longo-prazo. Em Portugal, a Jerónimo Martins, subiu ao percentil 98 das empresas de retalho alimentar que são seguidas pelo FTSE4Good Index, em matéria de sustentabilidade. A Sonae tem também um compreensivo relatório e objetivos ambiciosos em matéria de sustentabilidade. Este exercício de benchmarking pode ser realizado também recorrendo às diferentes empresas que de rating em matéria de sustentabilidade e fatores ESG.
- Enviar um sinal inequívoco ao mercado e comunicar o plano. Seja claro no sinal que envia ao mercado, ou os investidores e demais stakeholders levarão demasiado tempo a tomar nota. Um aspeto comum a muitas empresas que apostaram decididamente na agenda da sustentabilidade é o facto de terem parado de reportar trimestralmente e em muitos casos, explicitamente desencorajando a presença de acionistas de curto prazo e especulativos. Por outro lado, importa rever a forma de trabalhar e comunicar com os outros stakeholders (organizações ambientalistas, sociais, educativas, governos locais etc), passando de uma relação instrumental para uma de cooperação e cocriação de valor.
Estes passos não são necessariamente lineares e podem ocorrer em simultâneo ou em ordem diferente. A agenda da sustentabilidade veio para ficar os conselhos de administração devem estar prontos para iniciar uma caminhada que a breve trecho constituirá uma vantagem competitiva e uma licença para operar e, portanto, uma capability fundamental para sobreviver e prosperar.
*Artigo publicado na Diligent em 7 de Janeiro de 2021.