Acaba de ser divulgado o relatório da CMVM sobre os relatórios de governo das sociedades cotadas referentes ao ano de 2010. O documento encontra-se disponível aqui.
Em geral, é um documento rico em informação, com 46 gráficos e 120 páginas de texto. Esse constitui o ponto forte do relatório, porque há diversa informação recolhida das empresas cotadas, através de questionários, que tem interesse para ser examinada nos próximos tempos. Particularmente interessante é a informação sobre composição qualitativa da administração e sobre diminuição das remunerações pagas em relação ao ano anterior.
No tocante ao escrutínio sobre o acolhimento das recomendações, o texto revela, é claro, um atraso crónico em relação ao período de referência – confirmando uma tendência detectada em relatórios homólogos divulgados nos anos anteriores. Revelam-se, além disso, algumas impurezas de linguagem: o texto fala repetidamente de incumprimento, quando está em causa o (lícito) não acolhimento de recomendações.
É interessante a avaliação que o documento faz sobre as explicações no comply or explain. Impressiona verificar que a CMVM encontra 320 casos em que se considerou não existir uma explicação efetiva para a não adesão às recomendações. Não se encontram, porém, critérios sobre o que tornará uma explicação suficiente (como foi feito recentemente, por exemplo, no Reino Unido).
À semelhança do verificado em anos anteriores, o relatório continua a lidar mal com as recomendações múltiplas. No tema das remunerações, refere-se que a recomendação II.1.5.1 (remuneração dos administradores) não foi cumprida por nenhuma empresa; tal deve-se ao facto de a recomendação comportar 8 subrecomendações – e, no critério da CMVM, a não observância de uma implicar, num exercício automático, o não acolhimento de todas.
Por outro lado, o documento também dedica relevo a temas ainda não tratados especificamente no Código de Governo das Sociedades. O caso paradigmático é o da acumulação de cargos de administradores, tratado nas pags 27-29. Nas iniciativas europeias, há uma tendência legislativa de erguer maiores exigências, no âmbito das instituições do sector financeiro, de fixar uma limitação à acumulação de mandatos que os administradores, nomeadamente administradores não-executivos, podem assumir. A novidade não é absoluta. Em Portugal, os deveres de disponibilidade (enquanto manifestação dos deveres de cuidado: 64.º/1.a CSC) já determinam, de modo implícito, uma limitação a uma acumulação excessiva de mandatos simultâneos em diversas sociedades (além de soluções específicas do direito dos seguros, que procuram limitar a acumulação de cargos (recorde-se, por exemplo, o art. 51.º-A da Lei da Actividade Seguradora). É claro que este tema tem importância e actualidade. Mas o Código do Governo das Sociedades nada indica sobre o tema. Melhor seria – mais ainda, a avaliar pela ressonância mediática que o tema mereceu – o relatório ter esclarecido, neste âmbito, que o exercício de avaliação incide sobre um aspecto da governação sobre o qual o Código mantém um distanciado silêncio.