Empresa Simples de Crédito – sistema de microcrédito privado no Brasil

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O ano de 2019 tem sido de muita movimentação legislativa no Brasil, principalmente em matéria societária. Recentemente, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei Complementar nº 420-D, de 2014, que dispõe sobre a possibilidade de constituição da Empresa Simples de Crédito ou, simplesmente, ESC.

Essa nova sistemática tem por objetivo ampliar a concessão de crédito privado, com recursos próprios, para microempreendedores individuais, microempresas e empresas de pequeno porte no Município-sede e nos Municípios limítrofes da sede da Empresa Simples de Crédito. Além da limitação territorial, a nova regra restringe as atividades que podem ser exercidas pela entidade que optar por se enquadrar no regime da ESC, ao admitir a atuação tão-somente em operações de empréstimo, de financiamento ou de desconto de títulos de crédito.

A ESC deve adotar a forma de empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI), empresário individual ou sociedade limitada, neste último caso constituída unicamente por pessoas singulares. Não se trata, pois, de um novo tipo societário ou de uma nova forma singular de exercício da atividade empresarial, mas sim um regime jurídico que permite o exercício de uma atividade financeira, com a cobrança de juros remuneratórios acima do legalmente permitido em operações entre particulares – torna inaplicável à ESC as limitações previstas no Decreto nº 22.626/1933 e no art. 591 do Código Civil -, não se exigindo o seu registro perante o Banco Central do Brasil (“Bacen”). A nova sistemática exige apenas o registro das operações de crédito em entidade registradora autorizada a funcionar pelo Bacen ou pela Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”).

O capital social da ESC, tanto o inicial como o decorrente de aumentos sucessivos, deve ser realizado somente em moeda corrente – não se admite o aporte de bens ou serviços – e esta medida serve de parâmetro para as operações de empréstimo, financiamento e desconto de títulos de crédito, que não poderão ser superior ao capital realizado. Com isso, a ESC não poderá fazer captações no mercado, via instrumentos de dívida, para financiar suas operações, o que, certamente, limitará as suas atividades. É a regra prudencial elevada à potência máxima. Outra limitação está na receita bruta anual da ESC, que não poderá ser superior ao limite estabelecido para a Empresa de Pequeno Porte (atualmente fixado em R$ 4.800.000,00).

Inova-se também no regime de insolvência da ESC. Enquanto uma instituição financeira está sujeita aos regimes próprios de resolução atribuídos ao Bacen (intervenção ou liquidação extrajudicial, regime de administração especial temporária e responsabilidade solidária dos controladores e a indisponibilidade de seus bens), a ESC, apesar de exercer atividade financeira, estará sujeita aos regimes de recuperação judicial, extrajudicial e falência previstos na Lei nº 11.101/2005, em que pese o art. 2º desta lei excluir expressamente as instituições financeiras, as cooperativas de crédito e as entidades a elas equiparadas do regime comum de insolvência do empresário e da sociedade empresária.

Em que pese a louvável iniciativa do legislador, que se volta à desburocratização e ao incentivo ao empreendedorismo, nota-se que os avanços ainda são tímidos e com muitas amarras. As exageradas cautelas inviabilizarão o objetivo da norma proposta – ampliação do microcrédito privado -, tão necessário ao desenvolvimento da economia, por tanto tempo atrelada ao financiamento público. Por exemplo, não faz o menor sentido limitar a atuação territorial da ESC para assegurar o menor impacto ao sistema financeiro nacional. Impede-se o ganho de escala e a atuação a nível regional. Também é exagerada a limitação imposta aos tipos societários que podem se qualificar como ESC, ao não permitir que uma sociedade anônima tenha acesso a esse novo regime, assim como a regra que não admite, implicitamente, a participação de pessoa jurídica ou colectiva no quadro de sócios de uma sociedade limitada enquadrada como ESC. Por fim, a restrição das operações ao montante do capital realizado pode inviabilizar o crescimento da ESC, ao não permitir a captação de recursos junto a terceiros, não sócios, para o financiamento da atividade. O contorno a essa limitação se dará com o endividamento do sócio, pessoa natural ou singular, o qual poderá tomar um empréstimo para realizar o aporte na EIRELI ou limitada e, assim, suprir, com recursos de terceiros, ainda que indiretamente, as operações de crédito.