Governo Societário baseado em evidência: Administradores “High-Tech” e “High Touch”

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Assimetria de informação num ambiente volátil, incerto, complexo e ambíguo

Se dúvidas havia sobre o poder do executivo em manipular informação vis-à-vis o não-executivo, o mais recente escândalo na Alemã Wirecard AG, veio relembrar a todos, as proporções que isso pode tomar. A assimetria de informação entre administradores executivos e não-executivos é talvez uma das principais barreiras enfrentadas pelo não-executivo no cumprimento dos seus deveres de escrutínio e aconselhamento. Com efeito, o administrador não-executivo dedica em muitos casos um tempo demasiadamente reduzido ao exercício do cargo; muitas vezes porque acumula demasiados cargos; outras vezes porque tem uma função executiva noutra organização; E em muitos outros casos, porque simplesmente a cultura de governance vigente reduz o papel do executivo à presença nas reuniões mensais ou bimensais do conselho de administração. Dificilmente um não-executivo consegue ser eficaz nas suas funções de escrutínio e aconselhamento nestas circunstâncias. No Reino Unido, por exemplo, empresas de grande dimensão – mesmo as não-financeiras – esperam hoje dos seus não-executivos um compromisso de, pelo menos, 3 dias por mês.

O Administrador não-executivo recebe muitas vezes do executivo informação histórica, sobre a qual tem pouco controlo, e que lhe é apresentada muitas vezes de forma embelezada e otimista, no melhor dos casos, e de forma incompleta ou adulterada nos casos mais graves. Esta situação de forte assimetria de informação é magnificada quando o ambiente de negócio é caracterizado por permanente volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade. Na realidade, esta é a norma para a maioria das empresas. Neste sentido, a assimetria de informação aumentou fortemente nas últimas décadas, deixando o Administrador Não-Executivo – mesmo os melhor equipados e mais experientes – numa posição vulnerável em face das crescentes exigências do cargo.

 

Tensões entre executivos e não-executivos

A assimetria de informação gera um conjunto de frustrações e comportamentos que, no limite, podem criar sérios conflitos entre não-executivos e executivos. Se não forem bem geridas, estas tensões podem gerar uma espiral de comportamentos negativos. Entre as situações que a assimetria de informação pode gerar conta-se:

  • Perceção por parte do executivo de que o não-executivo não acrescenta valor;
  • Perceção por parte do executivo de que o não-executivo se esta a imiscuir em matérias executivas;
  • O não-executivo sente-se incapacitado em face do executivo, tendo receio de levantar questões por medo de transparecer ignorância ou impreparação;
  • Pelo contrário, a assimetria de informação pode gerar uma necessidade excessiva por parte do não-executivo para realizar perguntas, muitas delas irrelevantes, que vão demasiado ao detalhe ou que que são colocadas de forma inapropriada;
  • Gerar a necessidade no administrador não-executivo de constantemente pedir informações adicionais utilizando canais não convencionados;
  • O não-executivo sente que não é valorizado e que as decisões do conselho estão pré-determinadas.

Todos estes comportamentos podem conduzir, ao longo do tempo, a uma quebra de confiança e de relacionamento entre executivos e não-executivos, gerando outros comportamentos mais graves como uma escalada na omissão ou embelezamento de informação por parte do executivo e/ou a paralisia e alheamento do não-executivo.

Apesar de a assimetria de informação não ser passível de ser eliminada por completo, existem hoje um conjunto de ferramentas e práticas ao dispor dos conselhos de administração para a reduzirem de forma importante, criando condições para que o não-executivo e, portanto, o próprio conselho, possam desempenhar os seus papéis de escrutínio e aconselhamento de forma eficaz. O administrador não-executivo, contudo, precisa de combinar o uso efetivo de práticas “high-tech” e de práticas “high-touch”.

 

Administradores High-Tech

Na sequência da crise pandémica de COVID-19 que ainda vivemos globalmente, as empresas passaram a reconhecer o valor associado ao investimento em tecnologias de governo societário. Mas o valor acrescentado deste investimento vai além da possibilidade de circular informação de forma segura pelos administradores não-executivos e da possibilidade de com qualidade realizar reuniões de conselho virtuais. O administrador “high tech”, precisa que a organização faça um investimento em sistemas de informação modernos de governo societário. Isto permite que o administrador tenha um conjunto de informações em tempo real, passíveis de ser aprofundadas e combinadas de acordo com as necessidades específicas do administrador em cada momento. Desta forma, o administrador pode, ele próprio, proceder a análises que possam revelar perspetivas novas que o executivo possa não ter pensado. Tais perspetivas, não estão dependentes totalmente da forma como o executivo as apresenta, mas são extraídas diretamente dos sistemas de informação disponíveis de forma fácil e intuitiva.   Por outro lado, novas ferramentas de apoio a conselhos de administração utilizam big data e deep learning para oferecer ao administrador moderno possibilidades de foresight em termos de riscos e oportunidades que permitem ao administrador navegar um ambiente de negócios caracterizado por elevada volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade. O skillset do administrador “high tech”, contudo, tem de ser complementado com o aquele do administrador “high touch” e com um conjunto de práticas do conselho de administração que permitam a contextualização das decisões e a maximização do valor acrescentado do administrador não-executivo.

 

Administradores High-Touch  

Apesar de altamente apelativa, a tecnologia também cria perigos e dependências se não for complementada com abordagens “high touch”. Um dos principais perigos é claramente de um administrador não-executivo deixar de sentir a empresa e os seus stakeholders.  Por muito que a tecnologia possa apoiar a decisão através da identificação de macrotendências no ambiente de negócios, ou permitir análises adhoc mais finas por parte do administrador em relação a performance da empresa, existem limitações. Desde logo, o administrador não consegue compreender as condições de implementação da estratégia, a cultura e a moral da força de trabalho, o alinhamento e o engagement dos principais stakeholders, através da tecnologia. Portanto, é imprescindível que o administrador não-executivo possa beneficiar de políticas de governo societário que encorajem, verdadeiramente, a auscultação dos mais variados stakeholders e o contacto com a realidade concreta da empresa, por exemplo:

  • Reunir regularmente com o chairman para discutir questões / preocupações / perspetivas que possam acrescentar valor;
  • Reunir de forma independente com os outros administradores não-executivos independentes para alinhamento de agendas e questões para o executivo;
  • Visitar com alguma frequência diferentes partes da organização para falar com colaboradores e gestores de outros níveis organizacionais;
  • Promover pequenos-almoços com colaboradores de diferentes partes da organização para ouvir as suas visões e experiências da empresa;
  • Procurar aconselhamento e aprofundamento de determinadas matérias com especialistas exteriores a empresa.

É da convergência de abordagens “high tech” e “high touch” e de uma elevada dose de inteligência emocional que o administrador não-executivo pode trazer o valor acrescentado que tanto os executivos como o acionista e outros stakeholders esperam.  Uma abordagem baseada em evidência e sensivel aos contextos, que permite que tanto as atividades de escrutínio como de aconselhamento possam ser eficazmente desempenhadas.

 

O presente artigo foi escrito para a Diligent e encontra-se igualmente publicado no respectivo portal.