Impacto de novo quadro legal na governação das instituições de crédito e sociedades financeiras

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Recentemente foi aprovada a nova Lei das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (“LIC”), a Lei n.º 20/2020, de 31 de Dezembro, que entrou em vigor a 31 de Março de 2021. Com a sua entrada em vigor, foi revogada a anterior Lei das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, datada de 1999 e alterada em 2004.

De acordo com o seu preambulo, a LIC visa dar resposta à necessidade de instituir um novo quadro legal para as instituições de crédito e sociedades financeiras que, além de reforçar os requisitos de licenciamento, governação e supervisão, estipule mecanismos e instrumentos de resolução de instituições consideradas inviáveis, ou em risco de inviabilidade ou de insolvência, assim como que permita uma intervenção tempestiva, procurando que a recuperação dessas instituições ou a sua liquidação ordeira minimize repercussões negativas na economia.

As alterações introduzidas pela LIC no regime legal das instituições de crédito e sociedades financeiras são variadas. Aqui limitamo-nos a apresentar pequenas notas sobre algumas alterações sobre novos requisitos de governação.

 

Titulares de funções essenciais:

As instituições de crédito e sociedades financeiras passam a dever identificar os cargos cujos titulares, não pertencendo aos órgãos de administração ou fiscalização, exerçam funções que lhes confiram influência significativa na respectiva gestão, compreendendo, pelo menos, os responsáveis pelas funções de compliance, auditoria interna, controlo de gestão de riscos, bem como outras que, como tal venham a ser consideradas pelas instituições de crédito e sociedades financeiras ou definidas por Aviso do Banco de Moçambique (art. 15º da LIC).

 

Independência dos membros dos órgãos de administração e fiscalização:

A LIC passa a ter um artigo especificamente dedicado à independência dos membros dos órgãos de administração e fiscalização (art. 30º da LIC), de acordo com o qual os membros dos referidos órgãos sociais devem estar isentos de influência indevida de outras pessoas ou entidades, como forma de promover condições que permitam o exercício de funções com isenção.

Na avaliação da isenção dos referidos membros são tidas em consideração todas as situações susceptíveis de afectar a sua independência, nomeadamente:

a) Cargos que o interessado exerça ou tenha exercido na instituição de crédito ou sociedade financeira em causa ou noutra; e

b) Relações jurídicas, bem como relações profissionais ou de outra natureza económica que o interessado mantenha com outros membros do órgão de administração ou de fiscalização ou com pessoa que detenha participação qualificada[1] na instituição em causa, na sua empresa-mãe ou nas suas filias.

 

Disponibilidade dos membros dos órgãos de administração:

A LIC reforça a garantia de disponibilidade dos membros dos órgãos de administração no seu art. 31º.

A regra geral é a de que os membros de administração das instituições de crédito e sociedades financeiras não podem, cumulativamente, exercer cargos de gestão ou desempenhar quaisquer funções em outras instituições de créditos e sociedades financeiras. Exceptua-se o exercício cumulativo de cargos de gestão ou ao exercício de funções em outras instituições de créditos ou sociedades financeiras com as quais a instituição em causa se encontre e relação de grupo ou de domínio.

Por outro lado, os membros do órgão de administração das instituições de crédito e sociedades financeiras que pretendam exercer cargos de gestão em sociedades com natureza distinta (que não sejam instituições de crédito nem sociedades financeiras) devem, com a antecedência mínima de 15 dias úteis, comunicar a sua pretensão ao Banco de Moçambique, o qual pode opor-se se entender que a acumulação de funções é susceptível de prejudicar o exercício de funções ao serviço da instituição de crédito ou sociedade financeira.

Ainda assim, é vedado aos membros dos órgãos de administração das instituições de crédito e sociedades financeiras acumular mais do que um cargo executivo com dois não executivos, ou quatro cargos não executivos, independentemente, de acordo com consultas realizadas junto do Banco de Moçambique, dos cargos acumulados serem, ou não, exercidos noutras em instituições de crédito e sociedade financeiras ou de serem exercidos, ou não, em sociedades a operarem em Moçambique. Exceptuam-se, apenas, os cargos desempenhados em entidades que tenham por objecto principal o exercício de actividades de natureza não comercial e que cuja natureza, complexidade ou dimensão não represente risco grave de conflitos de interesses nem resulte na falta de disponibilidade para o exercício do cargo na instituição de crédito ou sociedade financeira.

 

Sistemas de governação:

A responsabilidade pela aplicação de sistemas de governação que garantam a gestão eficaz e prudente das instituições de crédito e sociedades financeiras, incluindo a separação de funções no seio da organização e a prevenção de conflitos de interesse, passa a ser partilhada entre os órgãos de administração e fiscalização das mesmas (n.º 1 do art. 106º da LIC), atenta, entendemos nós, às competências específicas dos referidos órgãos sociais, estabelecidas na legislação geral, entre a qual o Código Comercial.

Na definição dos sistemas de governação, compete aos órgãos de administração e fiscalização das instituições de crédito e sociedades financeiras:

a) Assumir a responsabilidade pela instituição, aprovar e fiscalizar a implementação dos objectivos estratégicos, da estratégia de risco e do governo interno;

b) Assegurar a integridade dos sistemas contabilísticos e de informação financeira, incluindo o controlo financeiro e operacional e o cumprimento da legislação e regulamentação aplicáveis; e

c) Supervisionar o processo de divulgação e os deveres de informação ao Banco de Moçambique.

Em função da dimensão, da organização interna, da natureza, do âmbito e complexidade das actividades, assim como do perfil das instituições de crédito e das sociedades financeiras (e, consequentemente, não absolutamente obrigatórios), os respectivos Conselhos de Administração deverão criar comités especializados necessários à adequada execução do seu mandato, nomeadamente, o comité de auditoria, o comité de gestão de risco, o comité de gestão de activos e passivos, o comité de nomeações e o comité de remunerações.

Indispensáveis a todas as instituições de crédito e sociedades financeiras, como forma de assegurar e eficácia dos seus sistemas de governação, são as seguintes funções:

a) Auditoria interna;

b) Compliance; e

c) Gestão de risco.

Os órgãos de administração e de fiscalização devem acompanhar e avaliar periodicamente a eficácia dos sistemas de governação da instituição, no âmbito das respectivas competências, bem como tomar e propor as medidas adequadas para corrigir quaisquer deficiências que sejam detectadas.

 

Comité de nomeações (art. 107º da LIC):

Se instituído, o comité de nomeações deverá ser composto por membros do órgão de administração que não desempenhem funções executivas ou por membros do órgão de fiscalização.

São competências do comité de nomeações:

a) Identificar e recomendar os candidatos a cargos dos órgãos de administração e fiscalização, avaliar a composição dos referidos órgãos, em termos de conhecimentos, competências, diversidade e experiência, descrever as funções e qualificações para os cargos, assim como avaliar o tempo que deverá ser dedicado ao exercício das funções;

b) Avaliar, anualmente, a estrutura, a dimensão, a composição e o desempenho dos órgãos de administração e fiscalização e formular recomendações com vista a eventuais alterações;

c) Avaliar, anualmente, os conhecimentos, as competências e a experiência de cada membro dos órgãos de administração e fiscalização, a sua actuação em conjunto e comunicar as constatações a cada um dos referidos membros; e

d) Rever, periodicamente, a política do órgão de administração em matéria de selecção e nomeação da direcção de topo, formulando-lhe recomendações.

 

Comité de remunerações (art. 109º da LIC):

Se instituído, o comité de remunerações deverá ser composto por membros do órgão de administração que não desempenhem funções executivas ou por membros do órgão de fiscalização.

São competências do comité de remunerações formular juízos informados e independentes sobre a política e práticas de remuneração e sobre os incentivos criados para efeitos de gestão de risco, de capital e de liquidez.

O comité de remunerações é, ainda, responsável pela preparação das decisões relativas à remuneração, incluindo as decisões com implicações em termos de riscos e gestão de riscos da respectiva instituição de crédito ou sociedade financeira, que devam ser tomadas pelo órgão social competente.

 

Política de remunerações (art. 108º da LIC):

As instituições de crédito e sociedades financeiras devem definir a respectiva política de remuneração, incluindo os benefícios discricionários de pensão, aplicável aos colaboradores e abrangendo as seguintes categorias de colaboradores:

a) Membros dos órgãos de administração e de fiscalização;

b) Direcção de topo;

c) Responsáveis pela assumpção de riscos;

d) Responsáveis pelas funções de controlo;

e) Colaboradores cuja remuneração total os coloque no mesmo escalão de remuneração auferido pelos os membros dos órgãos de administração e fiscalização, direcção de topo ou responsáveis pela assumpção de riscos, desde que as respectivas actividades profissionais tenham impacto material no perfil de risco da respectiva instituição de crédito ou sociedade financeira.

A política de remuneração respeitante aos membros dos órgãos de administração e fiscalização deve ser aprovada, anualmente, em assembleia geral, mediante proposta do órgão de administração ou, se instituído, do comité de remunerações.

A política de remuneração dos demais colaboradores por ela abrangidos deve ser aprovada e revista periodicamente pelo órgão de administração.

 

Dever de divulgação (art. 110º da LIC):

As instituições de crédito e sociedades financeiras que mantenham página de internet devem fazer constar da mesma informação demonstrativa do cumprimento das normas de governação, bem como das normas que disponham sobre políticas relativas às exigências de idoneidade, qualificação profissional, disponibilidade e independência dos membros dos respectivos órgãos de administração e fiscalização.

O Banco de Moçambique poderá fixar, por meio de Aviso, o conteúdo, o grau de detalhe e a forma de apresentação da referida informação a divulgar nas páginas de internet das instituições de crédito e sociedades financeiras.

 

Período de adequação à LIC (art. 232º da LIC):

Tendo sido publicada em Boletim da República a 31 de Dezembro de 2020, a LIC entrou em vigor a 31 de Março de 2021, por força do disposto no seu art. 233º. Por seu turno e de acordo com o disposto no art. 231º da LIC, as instituições de crédito e sociedades financeiras deverão ter-se adequado à LIC no prazo de 90 dias, ou seja, até 29 de Junho de 2021.

 

 

[1] De acordo com o LIC (glossário da LIC), participação qualificada passou a ser definida como a participação directa ou indirecta que represente uma percentagem não inferior a 5% do capital social ou dos direitos de voto de uma sociedade, considerando-se equiparados aos direitos de voto: i) Os direitos detidos pelas entidades dominadas pelo participante ou que com ele se encontrem numa relação de grupo; ii) Os direitos detidos pelo cônjuge não separado judicialmente ou por descendente de menos idade; iii) Os direitos detidos por outras entidades, em nome próprio ou alheio, mas por conta do participante ou das pessoas anteriormente identificadas; e iv) Os direitos inerentes a acções de que o participante tenha usufruto.