Apresentação do livro Acionistas e Governação das Sociedades [1]
1.º Introdução; sobre o Governance Lab
É para mim um gosto e uma honra estar a apresentar o livro Acionistas e Governação das Sociedades, preparado pelo Governance Lab e editado pela Almedina. Enquanto coordenador da obra, abster-me-ei naturalmente de juízos de valor sobre a mesma.
Importa começar pelo início. Assim, para uma correta apresentação do livro devo antes consignar algumas palavras sobre o Governance Lab.
Trata-se de um grupo de investigação independente fundado em 2006 e dedicado ao governo das organizações – procurando reunir em livros ou no seu site estudos, reflexões e propostas que sirvam para o aperfeiçoamento e progresso das práticas, regras e recomendações de Governance em instituições privadas e públicas.
O Grupo não tem finalidade lucrativa, sendo as receitas deste volume destinadas à associação Um Pequeno Gesto, que apoia crianças desfavorecidas em Moçambique.
Importa assinalar que as opiniões expressas nas publicações são feitas a título individual e não vinculam os demais co-autores ou as instituições a que estejam ligados.
Atualmente composto por 52 membros, o Governance Lab reúne juristas e professores de finanças, provindos de oito geografias: Angola, Brasil, Cabo Verde, Macau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Timor-Leste.
Este grupo constitui, assim, um grupo internacional, o que também tem expressão na plurilocalização dos eventos de lançamento das publicações. Este evento marca a estreia deste livro, mas encontra-se agendado um lançamento na cidade da Praia no dia 11 de novembro próximo. Similares lançamentos estão previstos, em outras capitais, para 2020.
2.º Estrutura e contexto da obra
Este livro é uma obra coletiva, contando com a participação de 20 autores, de Portugal, do Brasil, de Angola, de Moçambique, de Macau e Timor-Leste.
O livro divide-se em duas partes. A Parte I é dedicada a estudos gerais respeitantes à posição dos acionistas na governação societária, ao passo que foi reservada a Parte II para estudos sistemáticos e transversais por país, de acordo com a perspetiva lusófona já utilizada em livros anteriores do Governance Lab.
A Parte I inicia-se como uma análise de Paulo Câmara relativa às tendências de mudança verificadas nos últimos anos no tocante ao quadro de influência dos acionistas em relação à governação de sociedades anónimas. São sucessivamente percorridos: as alterações na estrutura de titularidade acionista; a proliferação de uma visão de curto prazo; a erosão do princípio one-share, one-vote; as novas manifestações de ativismo acionista; o relevo dos deveres dos acionistas; as novas áreas de influência acionista; e a vinculação da sociedade a interesses extra-acionistas. O exame dos deveres dos acionistas é subsequentemente complementado através da exposição de Ana Perestrelo de Oliveira sobre os deveres de lealdade (Capítulo 2), onde se conclui em termos convincentes pelo seu reconhecimento “na generalidade das sociedades, a cargo de todo o sócio, independentemente do peso que este assume”. Segue-se o Capítulo 3, a cargo de Rui Cardona Ferreira, tendo por objeto o direito aos lucros – que preconiza uma reabilitação do lugar central do que considera o “fundamentalíssimo direito dos sócios ao lucro”. Os acordos parassociais e os mecanismos indiretos de controlo são, por seu turno, tratados desenvolvidamente por Manuel Sequeira, com incidência particular nos acordos de natureza transmissiva relativos a participações sociais (Capítulo 4). Subsequentemente, é apresentada uma Breve nótula sobre duas propostas da AEM em matéria de votos dos acionistas (Capí tulo 5). O texto é co-assinado pelo Diretor Executivo da AEM, Abel Sequeira Ferreira, de parceria com José Pedro Fazenda Martins e Orlando Vogler Guiné. São aí formuladas e amplamente fundamentadas propostas importantes relativas à admissibilidade de voto plural (cuja atual proibição portuguesa relega o sistema nacional para uma posição de isolamento internacional, como o mais recente Corporate Governance Factbook da OCDE o documentou) e ao reconhecimento de ações de lealdade (L-shares): constituiria sinal positivo se estas sugestões legislativas pudessem ser em breve aproveitadas. Por seu turno, o Capítulo 6 é ocupado com o estudo sobre Transações entre partes relacionadas realizado por Francisco da Cunha Ferreira e Joana Torres Ereio. O tema é percorrido em toda a sua extensão, incidindo quer sobre as normas vigentes (no plano contabilístico, societário e mobiliário) quer sobre as alterações em perspetiva à luz da Diretiva (UE) 2017/828, que modifica a Diretiva dos Direitos dos Acionistas de sociedades cotadas. Subsequentemente, é-nos apresentada a exposição de Tiago dos Santos Matias, Diretor de Supervisão Contínua da CMVM, sobre a atuação dos fundos de investimento enquanto investidores institucionais (Capítulo 7). No seu texto, é consignada uma direta exortação para as regras dirigidas a investidores institucionais (tais como os fundos de investimento) serem proporcionais e equilibradas, “evitando a previsão de deveres e, ou encargos desajustados”, atentos os deveres fiduciários perante os seus clientes. A Parte I deste volume encerra com o capítulo (Capítulo 8) dedicado ao Estado enquanto acionista, relatado a partir da experiência brasileira, sendo da autoria de Evandro Pontes. A Parte II do livro é preenchida com estudos sobre cada jurisdição lusófona. Não sendo estudos de direito comparado, incluem muita informação que habilitam o leitor a retirar conclusões de índole comparatística. Esta Parte inicia-se com o retrato do regime jurídico dos sócios e da governação de sociedades em Angola, a cargo de Sofia Vale (Capítulo 9).
Segue-se a análise dos Direito dos acionistas na sociedade anônima brasileira, sob o exame atento de Erik Oioli, José Romeu Amaral e Evandro Pontes (Capítulo 10). Raquel Medina regressa às edições do Governance Lab com a análise sobre Acionistas e governação de sociedades em Cabo Verde, no Capítulo 11. Por seu turno, é Telmo Ferreira que nos dá a conhecer o regime moçambicano nesta matéria, no Capítulo 12. O Capítulo 13, sobre Acionistas e governação de sociedades em São-Tomé e Príncipe, é rubricado por Kiluange Tiny e Vanessa Mendes. Por fim, o livro encerra com a exposição de Bernardo Correia Barradas sobre Acionistas e governação de sociedades em Timor-Leste.
Este livro surge num momento de viragem:
- Do enfoque exclusivo dos direitos dos acionistas para uma atenção crescente aos deveres dos acionistas – nomeadamente os deveres de lealdade e de preparação de política de envolvimento;
- Da primazia exclusiva dos interesses dos acionistas para uma discussão em torno do propósito societário, com relevo concedido aos interesses de outros stakeholders, como os clientes, os trabalhadores e a comunidade em que a empresa se insere;
- Da titularidade acionista de pessoas singulares para a concentração de titularidade em investidores institucionais;
- Do reconhecimento do relevo da sustentabilidade na governação societária.
Pode dizer-se que a novidade de alguns destes elementos é relativa. O importante é sublinhar a novidade do efeito conjugado de todos eles.
3.º Conteúdo e propostas apresentadas
Como referi anteriormente, o Governance Lab procura preparar e discutir propostas de aperfeiçoamento ao ecossistema de corporate governance.
Em concretização desta linha, este livro procurou ir além da descrição da lei ou das tendências do mercado e formula sugestões expressas de desenvolvimento interpretativo ou normativo, nomeadamente as seguintes:
- De reconhecimento amplo dos deveres de lealdade, “na generalidade das sociedades, a cargo de todo o sócio, independentemente do peso que este assume” (Ana Perestrelo);
- De contenção legislativa na regulação da estratégia de sustentabilidade (Paulo Câmara);
- De equilíbrio nas regras sobre investidores institucionais, “evitando a previsão de deveres e, ou encargos desajustados”, atentos os deveres fiduciários perante os seus clientes” (Tiago Santos Matias);
- De acolhimento de ações com voto plural e de ações de lealdade (Abel Sequeira Ferreira/ O. Vogler Guiné/ J.P. Fazenda Martins);
- De subsídios para a reforma da lei brasileira sobre participação acionista pelo Estado (Evandro Fernandes Pontes);
- Do apelo para um papel crescente dos investidores institucionais na governação em Cabo Verde (Raquel Medina).
Estas e outras propostas são divulgadas para benefício dos decisores políticos e para apreciação da comunidade empresarial e académica.
4.º Agradecimentos
A encerrar esta sessão, não queria deixar de exprimir, em meu nome pessoal e do Governance Lab, os nossos agradecimentos às pessoas que a tornaram possível:
Agradeço a todos os autores deste livro, pelo tempo, talento e energia generosamente dedicados a esta publicação;
i. Às conferencistas neste debate sobre o propósito societário, Ana Perestrelo (também ela co-autora deste volume e membro do Governance Lab), Céline Moedas e Helena Soares de Moura;
ii. À AEM, que se aliou ao Governance Lab na organização deste evento – fazendo-o este agradecimento na pessoa do seu Diretor Executivo, Abel Sequeira Ferreira (por sinal também co-autor e também membro do Governance Lab);
iii. À Almedina, que desde sempre foi a editora das publicações do Governance Lab e que também quis marcar presença neste lançamento;
iv. À Matilde Perez, Project Manager do Governance Lab, pelo seu imprescindível apoio e pela sua competência;
v. E à Maria Roquette, Catarina Samuel e Ana Filipa Gil, pelo apoio na organização do evento e, no caso da Filipa, também na revisão de provas.
Todos nós, membros do Governance Lab, estamos muito gratos a estas pessoas e queremos deixar visível a marca da nossa gratidão.
Por tradição, iniciado em 2006, em cada sessão de lançamento de livros do Governance Lab é estabelecido publicamente o compromisso de continuar novo projeto editorial. Esse compromisso é aqui renovado explicitamente.
Tenho por isso muito gosto em anunciar que o 12.º volume deste grupo se encontra já em preparação e será concluído em 2020.
Agradeço por fim a todos os que se deslocaram a esta sessão e que aqui estiveram presentes.
O interesse manifestado e o apoio que tem sido dispensado a este projeto constituem para nós o tónico e o incentivo mais diretos para o continuarmos, com renovado entusiasmo. A todos muito e muito obrigado.
Paulo Câmara, coordenador da Obra e do Governance Lab, além de Managing Partner da Sérvulo & Associados.
[1] Intervenção proferida no dia 29 de outubro de 2019, em Lisboa, na sessão de lançamento do livro Acionistas e Governação das Sociedades, numa organização conjunta do Governance Lab, da AEM e da Almedina.