“Morte e Fim” da EIRELI

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“E foi morrida essa morte, irmão das almas, essa foi morte morrida ou foi matada?”

(Morte e Vida Severina. João Cabral de Mello Neto. Alfaguara, 2016 p. 15)

 

Essa foi morte premeditada e anunciada!

Desde a sua concepção, a empresa individual de responsabilidade limitada (“EIRELI”) não foi considerada uma solução bem-vista para a unipessoalidade. Ao invés de se resolver a problemática com uma simples alteração do caput do art. 981 do Código Civil (“CC”), admitindo-se a constituição de sociedade “por uma ou mais” pessoas, optou-se pela criação de uma nova espécie de pessoa jurídica de direito privado (vide revogado art. 44, inciso VI, do CC), considerada um ornitorrinco jurídico – meio empresário individual, meio sociedade limitada.

Até 2011, quem quisesse constituir uma sociedade limitada no Brasil (àquela época, 95% das sociedades adotavam esse tipo), necessitava de um sócio para compor a pluralidade. Este, muitas vezes, era designado “sócio de palha”, pois figurava no quadro social com uma quota, ou percentual ínfimo de participação, apenas para preencher o requisito da pluralidade.

Veio o legislador e, através da Lei nº 12.441/2011, criou a EIRELI. Muitas dúvidas surgiram sobre a forma de constituição (por ato ou contrato), as cláusulas essenciais que deveriam constar no instrumento de constituição (em razão da aplicação das regras das sociedades limitadas), a constitucionalidade do capital social mínimo (não exigido nas limitadas e nos demais tipos), entre outras controvérsias.

Fato é que a EIRELI passou a ser bastante utilizada na prática empresarial; não porque era o melhor tipo ou modelo societário, diga-se, mas porque resolvia o problema do “sócio de palha”, evitando-se arrastar, desnecessariamente, um terceiro para as vicissitudes da vida societária.

Após oito anos da criação da EIRELI, a Lei da Liberdade Econômica, como passou a ser conhecida a Lei nº 13.874/2019, deu o primeiro passo para enterrar a EIRELI. Não à toa, já era caso premeditado. Alterou-se o art. 1.052 do CC para introduzir a possibilidade de constituição da sociedade limitada “por 1 (uma) ou mais pessoas”. Não foi a solução esperada por todos, mas o remendo teve alvo certo: a EIRELI.

Depois do tiro certeiro, veio o sepultamento: o art. 41 da Lei 14.195, de 26 de agosto de 2021, estabeleceu que as empresas individuais de responsabilidade limitada existentes na data da entrada em vigor daquela lei seriam, obrigatoriamente, transformadas em sociedades limitadas unipessoais.

Mesmo não havendo dúvida sobre a extinção tácita das normas relativas à EIRELI, o ornitorrinco se debatia e relutava em se entregar. A ausência de dispositivo expresso sobre a revogação das normas relativas à EIRELI gerou dúvida na doutrina e nas juntas comerciais. Diante de tanta celeuma, o Departamento de Registro Empresarial e Inovação (DREI), em 09 de setembro de 2021, emitiu o Ofício Circular SEI nº 3.510/2021/ME para esclarecer que “é de rigor reconhecer que operou-se a revogação tácita do inciso VI do art. 44 e do art. 980-A e parágrafos, todos do Código Civil”. Ou seja, não era mais possível adotar esse tipo e levar a registro seu ato constitutivo.

Em vista disso, entendeu-se pertinente inserir dispositivo na Medida Provisória nº 1.085, publicada em 28 de dezembro de 2021, estabelecendo a expressa revogação das normas relativas à EIRELI previstas no Código Civil, com efeitos imediatos. Recentemente, tal Medida Provisória foi convertida na Lei nº 14.382, de 27 de junho de 2022, mantendo-se o art. 20, inciso VII, com a redação original.

Portanto, irmão das almas, não há mais dúvida de que foi morte matada e consumada!