Novidades sobre a Proposta de Directiva relativa ao dever de diligência das empresas em matéria de sustentabilidade (“CSDDD”)

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  1. O acordo provisório do Conselho e do Parlamento Europeu sobre a Proposta de Directiva relativa ao dever de diligência das empresas em matéria de sustentabilidade (“CSDDD”)

No passado dia 14 de Dezembro, o Conselho e o Parlamento Europeu alcançaram um acordo provisório sobre a Proposta de Directiva relativa ao dever de diligência das empresas em matéria de sustentabilidade (“Corporate Sustainability Due Diligence” – doravante, em termos abreviados, “CSDDD”)[1].

Nos termos agora publicitados[2], a futura CSDDD:

  • Será aplicável, no imediato, às “grandes empresas”, em função do número de trabalhadores e do volume de negócios mundial líquido apurado[3]. Ficam abrangidas:
  • As empresas constituídas em Estados-Membros com mais de 500 trabalhadores e com um volume de negócios mundial líquido superior a 150 milhões de euros;
  • As empresas de países terceiros que tenham um volume de negócios líquido gerado na União Europeia superior a 150 milhões de euros, decorridos que estejam três anos desde a entrada em vigor da CSDDD.
  • Será inaplicável, no imediato, às empresas do sector financeiro;
  • Incluirá, a par do conceito de “partes interessadas”, a noção de “partes interessadas vulneráveis” ou de “grupos de pessoas vulneráveis”, isto é, de pessoas ou grupos de pessoas susceptíveis de serem afectados de modo significativo pelos efeitos negativos (reais ou potenciais), causados ou potenciados pela actividade – directa ou indirecta – da empresa ou ao longo da sua cadeia de valor[4];
  • Reconhecerá a importância da regulamentação no contrato das obrigações em matéria de dever de diligência (cfr. artigo 12.º da CSDDD, sob a epígrafe “Cláusulas contratuais-tipo);
  • Clarificará as consequências susceptíveis de serem desencadeadas no âmbito das relações empresariais, no caso de se identificar um efeito negativo nos direitos humanos ou no ambiente causado ou potenciado pela actividade de um parceiro comercial (prevendo-se, designadamente, a possibilidade de cessação das parcerias em vigor, num modelo de “desvinculação responsável”);
  • Regulará dois tipos de consequências jurídicas aplicáveis às empresas abrangidas pela CSDDD, em caso de incumprimento do dever de diligência: os efeitos negativos nos direitos humanos ou no ambiente podem fundamentar uma acção de responsabilidade civil (cfr. artigo 22.º da CSDDD) ou a aplicação de coimas (de montante variável em função do volume de negócios líquido da empresa[5]);
  • Consagrará um prazo de 5 (cinco) anos para a propositura da acção de responsabilidade civil pelos danos causados[6];
  • Não incluirá preceitos relativos aos “deveres de diligência dos administradores” e à responsabilidade dos administradores em matéria de “criação e supervisão do cumprimento do dever de diligência” (cfr. artigos 25.º e 26.º da Proposta da Directiva, na versão de 23 de Fevereiro de 2022)[7];
  • Explicitará que o respeito pelas exigências e parâmetros de sustentabilidade empresarial pode ser um dos critérios de adjudicação de propostas para a celebração de contratos públicos (incluindo concessões)[8].

 

  1. O silêncio quanto aos deveres dos administradores em matéria de diligência e sustentabilidade empresarial

No que respeita aos deveres dos administradores em matéria de diligência e sustentabilidade empresarial, evidencia-se um retrocesso relativamente à solução constante da versão original do texto da CSDDD, de 23 de Fevereiro de 2022.

Sem prejuízo do referido, justifica-se salientar dois aspectos:

  • Por um lado, o artigo 15.º, n.º 1, alínea g) da CSDDD – na versão votada pelo Parlamento Europeu, em 1 de Junho de 2023[9], inclui, entre os elementos que devem integrar o “Plano de transição” em matéria de clima, a aprovar pelas empresas, “[o] papel dos órgãos de administração, de gestão e de supervisão no respeitante às questões climáticas”;
  • Por outro lado, a eliminação dos artigos 25.º e 26.º (constantes da versão original do texto da CSDDD) não prejudica a aplicabilidade das regras e dos preceitos legais consagrados na legislação dos Estados-Membros, sobre os deveres de administradores[10].

Entre nós, o artigo 64.º do Código das Sociedades Comerciais (“CSC”), nos termos da sua formulação gramatical, constitui um título habilitante suficiente para vincular os administradores ao respeito pela futura matriz normativa sobre o dever de diligência em matéria de sustentabilidade, com a consequente necessidade de consideração efectiva das métricas e dos parâmetros definidos para a protecção dos direitos humanos, das comunidades locais e do ambiente.

Por conseguinte, feita a prova de que:

  • A decisão de gestão não ponderou, como se impunha, em termos de adequada razoabilidade, os impactos previsíveis, a curto, médio e longo prazo, da actividade empresarial e a susceptibilidade de ingerência prejudicial nos direitos humanos, nas comunidades locais e no ambiente;
  • Se produziram danos indemnizáveis;
  • Estão verificados os demais pressupostos de responsabilidade civil (e, de modo especial, o nexo de causalidade),

pode equacionar-se um pedido indemnizatório deduzido directamente contra os administradores da sociedade visada pelo dever de diligência empresarial, com fundamento no desrespeito pelos deveres fundamentais dos administradores.

Esta hipótese pressupõe, em todo o caso, que se prove que a decisão empresarial não relevou factores de sustentabilidade social ou ambiental que podia e devia ter ponderado para evitar ou, pelo menos, mitigar os efeitos negativos nos direitos humanos e no ambiente. A instrução suficiente e adequada das decisões tomadas em matéria de parcerias comerciais, projectos de investimento e demais operações empresariais tem, no futuro próximo, de ser priorizada, de modo a permitir, designadamente, que seja accionada a cláusula consagrada no artigo 72.º, n.º 2 do CSC, e que se demonstre que a decisão de gestão foi informada e tomada “segundo critérios de racionalidade empresarial”.

O cenário de uma responsabilização directa dos administradores, sustentada no desrespeito pelo dever de diligência, crê-se, será um dos principais desafios futuros, que pode estar na origem de uma “nova forma de contencioso empresarial”[11].

 

 

[1]       A Proposta de Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa ao dever de diligência das empresas em matéria de sustentabilidade, de 23 de Fevereiro de 2022, pode ser consultada em https://eur-lex.europa.eu/resource.html?uri=cellar:bc4dcea4-9584-11ec-b4e4-01aa75ed71a1.0018.02/DOC_1&format=PDF. Sobre os desenvolvimentos verificados no âmbito do processo legislativo, v. o nosso ESG, racionalidade empresarial, e novos contenciosos, acessível emhttps://static1.squarespace.com/static/58596f8a29687fe710cf45cd/t/63b0260ffd28426edc76cda8/1672488464588/2022-40+-+1997-2024.pdf.

[2]       V. Comunicado de imprensa, de 14 de Dezembro de 2023, acessível em https://www.consilium.europa.eu/pt/press/press-releases/2023/12/14/corporate-sustainability-due-diligence-council-and-parliament-strike-deal-to-protect-environment-and-human-rights/.

[3]       O Comunicado de imprensa divulgado, em 14 de Dezembro de 2023, nada refere quanto à hipótese de a CSDDD abranger também empresas de menor dimensão, que não preencham os critérios definidos quanto ao número de trabalhadores e volume de negócios mundial líquido, mas que actuem em determinados sectores de actividade, considerados como “sectores de risco”. Este cenário é, no entanto, expressamente referido num dos textos do Comunicado de imprensa em língua inglesa, onde se precisa: “The obligations will also apply to companies with over 250 employees and with a turnover of more than 40 million euro if at least 20 million are generated in one of the following sectors: manufacture and wholesale trade of textiles, clothing and footwear, agriculture including forestry and fisheries, manufacture of food and trade of raw agricultural materials, extraction and wholesale trade of mineral resources or manufacture of related products and construction” – texto acessível em https://www.europarl.europa.eu/news/pt/press-room/20231205IPR15689/corporate-due-diligence-rules-agreed-to-safeguard-human-rights-and-environment.

[4]       Nos termos do artigo 3.º, parágrafo 1.º, alínea n)-A da versão do texto da CSDDD votada pelo Parlamento Europeu, em 1 de Junho de 2023, consideram-se “partes interessadas vulneráveis”: “as partes interessadas afetadas que se encontrem em situações de marginalização e de vulnerabilidade devido a contextos específicos ou ao cruzamento de fatores, incluindo, entre outros, o sexo, o género, a idade, a raça, a etnia, a classe, a casta, a educação, a pertença a um povo indígena, o estatuto de migrante, uma deficiência, bem como o estatuto social e económico, o que inclui as partes interessadas que vivem em zonas afetadas por conflitos e em áreas de alto risco, que são as causas de diversos efeitos negativos, muitas vezes desproporcionados, e criam discriminação e barreiras adicionais à participação e ao acesso à justiça” texto acessível em https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/TA-9-2023-0209_PT.pdf.

[5]       V. Comunicado de imprensa, de 14 de Dezembro de 2023, acessível em https://www.consilium.europa.eu/pt/press/press-releases/2023/12/14/corporate-sustainability-due-diligence-council-and-parliament-strike-deal-to-protect-environment-and-human-rights/.

[6]       O artigo 22.º, n.º 2-A da versão do texto da CSDDD votada pelo Parlamento Europeu, em 1 de Junho de 2023, prevê que o prazo prescricional mínimo deve ser 10 (dez) anos: “a) O prazo de prescrição para intentar ações de indemnização seja de, pelo menos, dez anos e existam medidas para garantir que as despesas do processo não sejam excessivamente onerosas para os requerentes que procuram justiça” texto acessível em https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/TA-9-2023-0209_PT.pdf.

[7]       Adoptou-se a solução prevista na versão do texto da CSDDD votada pelo Parlamento Europeu, em 1 de Junho de 2023, que suprimiu o artigo 26.º, sob a epígrafe “Criação e supervisão do dever de diligência” texto acessível em https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/TA-9-2023-0209_PT.pdf. O artigo 25.º, sob a epígrafe “Deveres de diligência dos administradores” já havia sido suprimido na versão do texto da CSDDD adoptada pela Orientação Geral do Conselho, em 1 de Dezembro de 2022 – texto acessível em https://data.consilium.europa.eu/doc/document/ST-15024-2022-REV-1/pt/pdf.

[8]       Nos termos do artigo 24.º (sob a epígrafe “Apoio público, contratação pública e concessões públicas”), parágrafo 1.º, da versão do texto da CSDDD votada pelo Parlamento Europeu, em 1 de Junho de 2023: “Os Estados-Membros devem assegurar que o (não) cumprimento das obrigações decorrentes da presente diretiva ou da sua aplicação voluntária seja considerado um dos aspetos ambientais e sociais a ter em conta em consonância com as normas aplicáveis à prestação de apoio público ou à adjudicação de contratos públicos e concessões” – texto acessível em https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/TA-9-2023-0209_PT.pdf.

[9]       Texto acessível em https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/TA-9-2023-0209_PT.pdf.

[10]     Em sede de responsabilidade civil, prevê-se, em termos explícitos, no artigo 22.º, n.º 4 da versão do texto da CSDDD votada pelo Parlamento Europeu, em 1 de Junho de 2023: “As regras em matéria de responsabilidade civil previstas na presente diretiva não devem limitar a responsabilidade das empresas ao abrigo dos sistemas jurídicos da União ou nacionais, incluindo as regras em matéria de responsabilidade solidária” – texto acessível em https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/TA-9-2023-0209_PT.pdf.

[11]     Sobre este ponto, v. o nosso ESG, racionalidade empresarial, e novos contenciosos, acessível em https://static1.squarespace.com/static/58596f8a29687fe710cf45cd/t/63b0260ffd28426edc76cda8/1672488464588/2022-40+-+1997-2024.pdf.