Foi hoje anunciada a deliberação do Conselho de Ministros de aprovação do «fim das golden shares» na Portugal Telecom, na EDP e na Galp Energia.
Surgidas no contexto das reprivatizações, como forma de manter algum controlo do Estado sobre decisões susceptíveis de afectar o interesse público, as golden shares são, como se sabe, acções que incorporam direitos especiais de controlo. Na medida em que atribuem aos seus titulares direitos não inerentes às acções ordinárias, dizem-se acções privilegiadas.
O controlo do Estado sobre sociedades nas quais participam investidores privados oferece contornos específicos àquele que é, em geral, considerado o principal problema de governo das sociedades: o controlling shareholder agency problem. Este problema de agência implica custos decorrentes da divergência entre o interesse da sociedade — o interesse comum dos sócios enquanto sócios — e o interesse público que pauta necessariamente a conduta do Estado-accionista. No entanto, por contraposição ao tradicional problema da extracção oculta de benefícios privadospelo accionista controlador (tunneling), no caso das golden shares, os benefícios especiais atribuídos ao Estado resultam de uma permissão normativa específica.
Por outro lado, estas acções têm sido amplamente discutidas a nível comunitário, questionando-se a sua conformidade face aos princípios comunitários da liberdade de estabelecimento e da liberdade de capitais (artigos 43.º e 56.º do Tratado de Roma e, actualmente, arts. 49.º e 60.º do Tratado de Lisboa). No sentido da desconformidade pronunciou-se repetidamente o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE). A titularidade de acções públicas privilegiadas por parte dos Estados-membros pôe em causa a liberdade de circulação de capitais — e, por conseguinte, a liberdade de estabelecimento —, na medida em que impede ou desincentiva (i) o investimento directo(os accionistas da sociedade não podem participar na gestão e no controlo desta sociedade na proporção do valor das respectivas participações) e (ii) o investimento de carteira, uma vez que o exercício do correspondente direito de veto diminui a atractividade das acções ordinárias no mercado e, consequentemente, repercute-se na cotação das mesmas. O actual Ministro das Finanças reconheceu que os direitos especiais do Estado afectam o valor das acções ao afirmar que o fim dos mesmos, no contexto de um processo de privatização, «está associado a um aumento de valor das próprias empresas e nessas condições o estado beneficiará desse aumento de valor» (Público online, 05/07/2011).
O TJCE pronunciou-se especificamente contra as golden shares na PT, por Acórdão de 08/07/2010, e na EDP, por Acórdão de 11/11/2010.
Já em Maio deste ano, no memorando de entendimento que descreve as condições gerais de política económica subjacentes à concessão de assistência financeira da União Europeia a Portugal, o Governo comprometeu-se a eliminar as golden shares existentes.
O primeiro passo está dado com a aprovação desta medida pelo Conselho de Ministros. Resta saber em que termos serão alterados os estatutos das sociedades visadas e quais os contornos dos anunciados processos de privatização.