Durante a pandemia, o confinamento forçado e a proibição (ou interdição recomendada) de ajuntamentos de pessoas redobraram a importância de utilização dos meios tecnológicos no funcionamento da administração .
Neste sentido, a pandemia operou um salto quântico no futuro, ao ter provocado mudanças no modo de realização de reuniões de administração que dificilmente terão retrocesso.
Em Portugal, o regime jurídico-societário revelou-se, no essencial, preparado para esta evolução. Com efeito, o Código das Sociedades permite, em termos muito amplos, a possibilidade de realização de reuniões do conselho de administração por meios telemáticos. Basta para o efeito que a sociedade assegure três requisitos de funcionamento: a autenticidade das declarações; a segurança das comunicações; o registo do seu conteúdo e dos respetivos intervenientes (Artigo 410.º, n.º 8 CSC) .
Por seu turno, mais recentemente, o Artigo 5.º, n.º 1 da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, esclareceu que a participação por meios telemáticos, designadamente vídeo ou teleconferência de membros de órgãos colegiais de entidades públicas ou privadas nas respetivas reuniões, não obsta ao regular funcionamento do órgão, designadamente no que respeita a quórum e a deliberações, devendo, contudo, ficar registado na respetiva ata a forma de participação . Sublinha-se o amplo âmbito desta permissão: embora contida numa lei temporária, esta prescrição bem merecia ser transformada no futuro numa regra transversal e permanente.
Deve deixar-se claro que a utilização de meios telemáticos é admitida em termos amplos, sem que a lei cuide exatamente do modo como a tecnologia é utilizada. Dada a celeridade de evolução tecnológica, essa abordagem legislativa evita uma rápida desatualização do regime vigente.
Tenha-se presente, a propósito, que o recurso a meios telemáticos para a realização de reuniões de órgãos sociais pode ser feito em diversos graus, incluindo desde reuniões virtuais – sem presença física de nenhum dos administradores na sede da sociedade – até reuniões híbridas, que combinam a presença física de algumas pessoas e acesso telemático por parte de outras. Por outro lado, a reunião pode envolver vídeo ou assentar numa simples conferência telefónica, ou combinar ambas as modalidades.
Todas estas combinações se incluem na permissão de reuniões telemáticas.
A realização de reuniões de administração por meio telemático, tornada habitual com a crise pandémica, mas seguramente a manter-se mesmo após a sua superação, aconselha a sua regulamentação em documento interno da sociedade. O local próprio para o efeito é o regulamento do conselho de administração .
Com efeito, há aspetos práticos que ganham em ser esclarecidos sobre a organização e funcionamento das reuniões telemáticas do board, mas a natureza operacional do tema não justifica sejam tratados estatutariamente. Por isso se entende ser o regulamento do conselho de administração a sede própria para o efeito. Adiantam-se abaixo algumas ilustrações de pontos a acolher em tal regulamento.
Desde logo, a Lei n.º 1-A/2020 não o indica, mas é fundamental que a convocatória da reunião do órgão de administração informe sobre a sua realização por via telemática e indique a aplicação informática ou conexão telefónica utilizada para a reunião e sobre o modo de ligação à mesma. Se a reunião admitir presenças físicas e participações por via telemática, o mesmo deve ser objeto de informação na convocatória.
Por outro lado, é importante que o Presidente do órgão realize um registo dos membros intervenientes, para assegurar o cumprimento dos quóruns constitutivo e deliberativo e desse modo comprovar a possibilidade de o órgão validamente reunir e deliberar sobre as matérias para que foi convocado. Nas reuniões em que haja membros a participar através de conferência telefónica, sem transmissão vídeo, é inevitável que se proceda a uma chamada inicial dos membros.
Em algumas matérias pode revelar-se útil a gravação da reunião telemática do board e para esse efeito importa que essa possibilidade esteja prevista em regulamento do conselho de administração. Se tal não acontecer, dado a gravação conter dados pessoais, deve a autorização para o efeito ser obtida antes da gravação se iniciar .
Convém esclarecer que os pontos anteriores não constituem matéria de intervenção legislativa, mas devem antes ser confiados ao critério e à autonomia de cada órgão de administração, através do regulamento do conselho de administração.