O objetivo e o âmbito das intervenções regulatórias sobre remunerações têm registado uma evolução importante nos últimos anos. Numa primeira etapa de trajetória histórica (cujas principais marcos se situam entre 2005 e 2013), as políticas de remunerações eram exclusivamente dirigidas à defesa do interesse social, à prevenção da erosão excessiva do património social e à preservação da continuidade a longo prazo das sociedades.
Sucede, porém, que nos últimos anos se começou a desenhar uma nova tendência, que se caracteriza pela adição de um novo objetivo às políticas remuneratórias. Esta alteração de fundo encontra a sua explicação na preocupação legislativa de prevenção de distribuição indevida (mis-selling) de produtos bancários e financeiros. A premissa é a de que no passado a estrutura de remuneração dos colaboradores desempenhou um contributo causal para muitas situações de distribuição de produtos bancários e financeiros em violação das regras comportamentais aplicáveis (inter alia, deveres de informação e deveres de adequação). Assim, para contrariar este cenário, em instituições de crédito e intermediários financeiros, a política de remuneração deve agora ter em conta o interesse dos clientes na distribuição destes produtos.
Tal desiderato é patente da DMIF II, que impõe aos intermediários financeiros o dever de assegurar que o seu pessoal não é remunerado nem o seu desempenho avaliado de forma a entrar em conflito com a sua obrigação de atuar no interesse dos seus clientes. Em particular, não devem tomar medidas relativas a remuneração, objetivos de vendas ou de outro tipo suscetíveis de criar um incentivo ao seu pessoal a recomendar um determinado instrumento financeiro a um cliente não profissional, quando a empresa de investimento poderia propor um instrumento financeiro diferente que melhor correspondesse às necessidades desse cliente. O Regulamento Delegado 2017/565 em complemento da mesma Diretiva obriga a política remuneratória a garantir que a relação entre as componentes fixa e variável da remuneração é devidamente equilibrada e tem em conta os direitos e interesses dos clientes.
De sua banda, a EBA, nas suas Guidelines on remuneration policies and practices related to the sale and provision of retail banking products and services (2016) é muito clara a estabelecer que: Institutions should not design remuneration policies and practices that: solely link remuneration to a quantitative target for the offer or provision of banking products and services; or promote the offer or provision of a specific product or category of products over other products, such as products which are more profitable for the institutions or for a relevant person, to the detriment of the consumer.
Por fim, no âmbito do crédito hipotecário a consumidores, foi determinado que a política remuneratória não pode colocar em causa o cumprimento dos deveres de conduta previstos na lei (Artigo 5.º DL 74-A/2017).
As implicações desta nova orientação refletem-se não apenas na atribuição de prestações remuneratórias, mas também na conformação dos indicadores de desempenho a incluir nos processos de avaliação. No âmbito da intermediação financeira, é-nos imposto que a remuneração não se baseie apenas ou predominantemente em critérios comerciais quantitativos, devendo ter plenamente em conta critérios qualitativos adequados que reflitam o cumprimento da regulamentação aplicável, o tratamento equitativo dos clientes e qualidade dos serviços prestados aos clientes. Assim, além da necessidade de ponderar critérios qualitativos, o enfoque remuneratório no respeito pelo interesse dos clientes obriga ainda a que a avaliação tenha em conta a aptidão de cada colaborador e membro dos órgãos sociais de dar pleno cumprimento às regras sobre distribuição de produtos bancários e instrumentos financeiros.