Regramento societário excepcional no Brasil: a Lei 14.030/2020

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No dia 28 de julho de 2020, houve a sanção presidencial da Lei 14.030/2020. Este novo regramento nada mais é do que a conversão da Medida Provisória 931/2020 – norma que disciplina o regime societário excepcional decorrente da pandemia do covid-19 -, com alguns ajustes durante a sua tramitação, que comentamos anteriormente em artigo publicado no portal do Governance Lab.

A nova norma confirma a extensão do prazo excepcional de realização das assembleias e reuniões ordinárias de sociedades anônimas e sociedades limitadas, estendendo-o de quatro para sete meses a contar do término do exercício social. A regra torna ineficaz as disposições contratuais que exigem a realização da assembleia ou reunião ordinária em prazo inferior ao disposto na norma.

Além disso, a norma estende o mandato dos administradores, dos membros do conselho fiscal e dos comitês estatutários das sociedades anônimas e das sociedades limitadas e dos membros dos órgãos de administração e de fiscalização das sociedades cooperativas até a realização da próxima assembleia geral ou reunião ordinária, mesmo nos casos em que não haja disposição estatutária ou contratual nesse sentido.

Atribui-se, ainda, ao conselho de administração, nas sociedades anônimas, a competência para deliberar sobre matérias urgentes, mesmo que disposto de forma diversa no estatuto social, ad referendum da assembleia geral.

Ademais, a norma confirmou o texto da MP 931, que passou a admitir, excepcionalmente, apenas nas sociedades anônimas, a declaração de dividendos pelo conselho de administração ou, na falta deste, pela diretoria, mesmo que não haja tal previsão no estatuto social. A norma (art. 2º) dispõe que essa declaração deve ser feita nos termos do art. 204 da LSA. Este dispositivo trata dos dividendos intermediários, os quais possuem certos requisitos para sua declaração.

Portanto, apesar de a norma admitir a declaração de dividendos pelos órgãos da administração, devem ser observados certos requisitos: se o balanço utilizado for semestral, os dividendos podem ser declarados à conta do lucro apurado nesse balanço; se o balanço for de período inferior a seis meses, o total dos dividendos pagos em cada semestre não poderá exceder o montante disponível nas reservas de capital (art. 182, §1º, da LSA); se o balanço utilizado for o do exercício social anterior (2019) ou do semestre anterior, os dividendos podem ser declarados à conta de lucros acumulados ou de reservas de lucros existentes naquele balanço.

Em todas as hipóteses do art. 204, parece-nos que a exigência de disposição estatutária prévia para a declaração de dividendos intermediários tornou-se sem efeito com a referência feita à desnecessidade de reforma estatutária para a deliberação sobre tal matéria.

Também como medida excepcional, a lei autoriza a Comissão de Valores (CVM) Mobiliários a prorrogar qualquer prazo previsto na LSA durante o exercício de 2020, inclusive aquele para apresentação das demonstrações financeiras das companhias abertas. Nesse sentido, o Colegiado da CVM, de maneira bastante ágil, editou a Deliberação 849 e determinou a dilação dos seguintes prazos: (i) para apresentação das demonstrações financeiras relativas aos exercícios sociais findos no período de 30 de dezembro de 2019 a 31 de março de 2020, sendo que as companhias terão, agora, o prazo de 5 (cinco) meses, a contar do término do respectivo exercício social, para apresentá-las; e (ii) para apresentação do relatório anual, o qual poderá ser entregue em até 6 (seis) meses a contar do término do exercício social.

Outra medida destinada às companhias abertas e ao mercado de capitais foi a suspensão dos prazos para arquivamento prévio de atos necessários para a realização de emissão de valores mobiliários e outros negócios jurídicos perante as juntas comerciais (art. 6º, inciso II). Como as juntas estão funcionando parcialmente, apenas com atendimento virtual, o arquivamento prévio poderia se tornar um empecilho para as emissões de valores mobiliários, ainda mais nesse período em que as companhias podem necessitar de recursos para enfrentar o período de crise.

Por fim, a lei alterou os arts. 121 e 124 da LSA para admitir a participação e o voto a distância em assembleia geral de companhias abertas ou fechadas, assim como para permitir que a CVM excepcione a regra de realização da assembleia no mesmo Município da sede. A lei também acrescentou o art. 1.080-A ao Código Civil para permitir a realização de reunião ou assembleia de forma digital, com a participação e manifestação de voto a distância. No caso das companhias abertas, a norma atribuiu à CVM o poder regulamentar de disciplinar a assembleia virtual e a realização fora da sede; já companhias fechadas e nas sociedades limitadas, coube ao Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (DREI) regulamentar tal matéria.

No tocante às assembleias, a CVM editou as Instruções 622 (17/04/2020) e 625 (14/05/2020) para disciplinar a realização das assembleias híbridas ou exclusivamente digitais tanto de acionistas como de titulares de debêntures (obrigações) ofertadas publicamente ou admitidas a negociação em mercados de valores mobiliários.

O DREI, por sua vez, editou a Instrução 79 (14 de abril de 2020) para disciplinar a participação e votação a distância em reuniões e assembleias de sociedades anônimas fechadas, limitadas e cooperativas. Essa norma, no entanto, foi posteriormente revogada pela Instrução DREI 81 (10/06/2020), que trata de modo mais amplo sobre as normas e diretrizes do Registro Público de Empresas.

Por fim, a lei também estende o prazo de realização de assembleia geral e de duração do mandato de dirigentes das associações, fundações e demais sociedades (além das anônimas, limitadas e cooperativas), ou seja, das sociedades simples, das sociedades em nome coletivo, das sociedades em comandita simples e das sociedades em comandita por ações.