A regulação do sistema financeiro encontra-se de novo em profunda transformação. É dado assente que as alterações climáticas colocam riscos existenciais para a Humanidade. Além disso, constituem a fonte de importantes riscos – designadamente riscos físicos, riscos de transição e riscos de responsabilidade – para as instituições financeiras, a par de relevantes oportunidades. A acrescer, a transição energética e a descarbonização da economia requerem investimentos vultuosos, cujo financiamento passa necessariamente (ainda que não a título exclusivo) pelo sistema financeiro.
Neste cenário, tem-se afirmado crescentemente o movimento ESG (Environment, Social and Governance), que inspira e conduz os investidores e as instituições financeiras a canalizar investimentos para empresas mais sustentáveis, o que comporta efeitos sistémicos no sistema financeiro e no tecido empresarial.
Além disso, a União Europeia tem vigorosamente assumido que o sistema financeiro deve servir o crescimento sustentável global e deve estar empenhado na adaptação e na mitigação das alterações climáticas e no cumprimento das metas impostas no âmbito do Acordo de Paris.
Este contexto – que serve de moldura ao Pacto Ecológico Europeu – determinou o surgimento de uma constelação de novos deveres jurídicos para as instituições financeiras relativos à sustentabilidade ambiental e social. Devemos distinguir entre, de um lado, as fontes gerais também aplicáveis a instituições financeiras e, de outro lado, as fontes especiais apenas aplicáveis a estas últimas.
De um lado, no catálogo de fontes gerais, no plano informativo, a Diretiva da Informação Não Financeira, transposta entre nós através dos artigos 66.º-B e 508.º-G CSC, obriga as grandes empresas que sejam de interesse público (o que inclui as grandes instituições financeiras) a prestar informação anual sobre “questões ambientais, sociais e relativas aos trabalhadores, à igualdade entre mulheres e homens, à não discriminação, ao respeito dos direitos humanos, ao combate à corrupção e às tentativas de suborno”. Além disso, ao abrigo daquela Diretiva, a Comissão Europeia divulgou um par de recomendações nesta matéria: a um tempo, em 2017, aprovou Orientações sobre a comunicação de informações não financeiras; a outro tempo, em 2019 foram divulgadas novas Orientações para a comunicação de informações não financeiras, em particular quanto à comunicação de informações relacionadas com o clima[1]. Embora dirigido às empresas em geral, o documento contém ainda orientações complementares para os bancos e as empresas de seguros.
Por seu turno, este quadro normativo encontra-se a ser modificado através da Proposta de Corporate Sustainability Reporting Directive (CSRD), que alarga o perímetro de sociedades abrangidas, impõe maior granularidade e deveres de auditoria à informação não financeira prestada.
Quanto ao órgão de administração, a Comissão Europeia tem vindo a preparar intervenções sobre deveres dos administradores e sustentabilidade e sobre diligência devida. Neste âmbito, o Parlamento Europeu apresentou uma Resolução sobre o conteúdo de uma Diretiva sobre diligência devida e responsabilização societária, que procura estabelecer deveres especiais de cuidado em matéria de respeito pelos direitos humanos, ambiente e governação societária.
De outro lado, no que respeita às fontes especiais, devemos considerar o regime dos deveres de informação dos participantes do mercado, que sofreu uma sensível transformação através da articulação entre o Regulamento (UE) 2020/852, de 18 de junho de 2020 (Regulamento da Taxonomia), com a enunciação da taxonomia de atividades sustentáveis no plano ambiental, e o Regulamento (UE) 2019/2088, de 27 de novembro de 2019 (Regulamento Informação sobre Desenvolvimento Sustentável (SFDR)), a estabelecer importantes deveres de informação nesta matéria. Além disso, as instituições de crédito e empresas de investimento de grande dimensão que sejam emitentes de valores mobiliários cotados devem prestar informação pública sobre riscos ESG, nos termos da nova versão do Capital Requirements Regulation introduzida pelo Regulamento (UE) 2019/876 de 20 de maio de 2019.
Por seu turno, a posição jurídica dos titulares de participações acionistas foi objeto de importantes alterações através da revisão da Diretiva dos Direitos dos Acionistas[2]. Em transposição deste diploma, foi imposto um dever de adoção de uma política de envolvimento por parte dos investidores institucionais, a descrever nomeadamente como estes investidores efetuam o acompanhamento das sociedades participadas no que se refere às questões relevantes, incluindo a estratégia, o desempenho financeiro e não financeiro, o risco, a estrutura de capital, o impacto social e ambiental e o governo das sociedades (artigo 251.º-B CVM). A acrescer, a política de investimento em ações, também imposta por este diploma, implica a descrição de incentivos do gestor de ativos a tomar decisões de investimento com base em avaliações do desempenho financeiro e não financeiro de médio a longo prazo das sociedades participadas (artigo 251.º-C CVM).
Ainda no contexto europeu, outras investidas regulatórias recentes apresentam profundas implicações na atuação das instituições financeiras no plano da sustentabilidade. Tem-se presente, nomeadamente, o novo regime dos fundos de pensões (cujas entidades gestoras devem ter em conta o potencial impacto a longo prazo das decisões de investimento nos fatores ambientais, sociais e de governação[3]) e a revisão em curso da DMIF II e da Diretiva de Distribuição de Seguros, diplomas que obrigam a um desenvolvimento dos testes de adequação em matéria ESG na distribuição de produtos financeiros. Aprovada está ainda a revisão das regras de nível 2 referentes à Diretiva UCITS, à Diretiva AIFMD e à DMIF II, a sublinhar o relevo da gestão de riscos ESG no âmbito dos organismos de investimento coletivo e das empresas de investimento e, no caso destas últimas, a reforçar os deveres de governação de produto.
Em suma: prescreve-se uma diligência elevada relativamente a produtos financeiros e riscos ambientais, impõe-se um grau mais aturado de informação e encoraja-se um maior envolvimento em temas ambientais. Fica também a confirmado que os critérios ESG não se mostram incompatíveis com os deveres fiduciários das instituições financeiras ou com o cumprimento do seu propósito. De resto, para o cumprimento do propósito societário, ganha importância renovada o conteúdo dos deveres de lealdade dos administradores, que – desde a revisão societária de 2006 – não apenas atende aos interesses de longo prazo dos sócios, mas também deve ponderar “os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade” (art. 64.º, n.º 2 b) CSC).
A pergunta decisiva a colocar, neste passo, é esta: Serão estas medidas suficientes?
A este propósito, devemos contrariar, num extremo, as vozes negacionistas, que à revelia da ciência proclamam a desnecessidade destas medidas, e, noutro extremo, os catastrofistas, que contestam a priori a suficiência de qualquer intervenção.
Decisiva será a resposta das instituições financeiras a este novo caudal de deveres jurídicos. Para o efeito, relevam a cultura das instituições e a sua capacidade de adaptação e de concretização efetiva dos novos normativos, para o que toda a estrutura de governação se encontra convocada. Além disso, revela-se fundamental evitar as distorções informativas, manifestadas através de informação exagerada, tendenciosa, não objetiva ou falsa (na gíria designada de greenwashing). Por fim, as instituições financeiras dependem do ecossistema informativo geral, que ainda não é completo. Nomeadamente, o enquadramento regulatório em matéria de informação não-financeira não se aplica a todas as empresas (PME encontram-se excluídas do regime europeu) e depara-se com exigências muito diferentes fora da União Europeia. Este último ponto é muito importante, dado que a União Europeia é responsável “apenas” por cerca de 17% das emissões (GHG’s) em termos globais, ficando atrás dos EUA e China.
Em síntese, estamos perante um desafio global e não apenas jurídico, mas civilizacional. Neste quadro, a comunidade jurídica será central para fazer progredir e aperfeiçoar esta agenda legislativa, de modo a evitar a ‘tragédia no horizonte’ (nas palavras de Mark Carney) e a assegurar um futuro sustentável para as próximas gerações.
[1] Comissão Europeia, Comunicação. Orientações para a comunicação de informações não financeiras: documento complementar sobre a comunicação de informações relacionadas com o clima, (2019/C 209/01) (2019).
[2] Diretiva (UE) 2017/828 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de maio de 2017.
[3] Artigos 53.º, n.º 4, 57.º n.º 3, 108.º, n.º 2 c), 118.º, n.º 5 j) , 119.º, n.º 6 d) e 155.º, n.º 1 c) do Regime Jurídico dos Fundos de Pensões, aprovado pela Lei n.º 27/2020, de 23 julho, transpondo a Diretiva (UE) 2016/2341 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de dezembro de 2016 (IORP II).