Nos anos mais recentes, tem vindo a impor-se o reconhecimento de que as sociedades devem atender não apenas à satisfação financeira dos seus acionistas e demais stakeholders (trabalhadores e credores), mas também a interesses relacionados com a sua sustentabilidade.
Esta evolução prende-se, de um lado, com a perspetiva de longo prazo que deve ser tida em conta na governação societária e, por outro lado, e em termos mais gerais, pela consolidação de uma visão da governação societária como envolvendo necessariamente uma estrutura de colaboração com os stakeholders e os fatores ambientais. O recente agravamento da crise climática no globo serve de fator adicional a justificar esta orientação.
Neste contexto, deve reconhecer-se em termos claros que o corporate governance se mostra apto a servir de instrumento de sociedades mais sustentáveis. Aliás, é agora usual deparar com a componente de governação societária a ser assimilada aos elementos sociais e ambientais relativos às empresas sob a designação comum de fatores ESG – Environmental, Social and Governance.
Esta abordagem tem vindo a ser crescentemente relevante para a comunidade de investidores, não apenas para afastar da mira de investimento empresas que não cumprem critérios ESG (triagem negativa) mas também como fator de aproximação de empresas que cumpram os fatores ESG (triagem positiva) e que possam, por seu turno, servir de exemplo inspirador a ser seguido por outros.
Na densificação das orientações nesta sede a serem seguidas por investidores, têm conquistado alguma proeminência os Princípios da ONU em matéria de Investimento Responsável (PRI). Trata-se de um conjunto de recomendações a que a comunidade de investidores pode aderir, através de um compromisso formal.
Estes seis Princípios postulam: 1.) uma incorporação dos fatores ESG nos processos de análise de investimento e decisórios; 2.) uma assunção de titularidade ativa e a incorporação de fatores ESG nas políticas de titularidade (ownership policies); 3.) o empenho na divulgação de informação relacionada com fatores ESG por parte das empresas em que são feitos investimentos; 4.) a promoção da aceitação e da adoção dos Princípios pela indústria de investidores; 5.) o empenho no trabalho conjunto para aumentar a eficácia da adesão dos Princípios; e 6.) o reporte das atividades e dos progressos em relação à adoção dos Princípios. As Nações Unidas apresentam complementarmente sugestões de iniciativas que podem dar corpo a cada um dos referidos Princípios.
Destaca-se nomeadamente que nesta concretização dos Princípios (em particular dos Princípios 2 a 4) está associado um grau de ativismo acionista na promoção dos fatores ESG e da sua adequada divulgação.
Além disso, um dos elementos estruturantes na ligação da governação societária aos temas de sustentabilidade prende-se com os deveres de gestão de riscos que possam afetar as empresas e a sua atividade. A ideia de base é a de que qualquer empresa pode ser afetada por fatores relacionados com a sustentabilidade, mas o grau de exposição varia em função da indústria em questão.
Outra das propostas recentemente discutidas prende-se com a evolução da função do administrador com pelouro financeiro (Chief Financial Officer) para uma função que acompanhe, em termos integrados, os temas de criação de valor, passando a ser assumido como Chief Value Officer. Esta proposta não deve ser entendida enquanto mera alteração semântica, mas antes enquanto reconhecimento estruturante da necessidade de assegurar funcionalmente a coordenação dos temas de criação de valor em termos integrados.
Em confirmação do exposto, diversas intervenções legislativas têm demonstrado preocupações dirigidas a uma agenda relacionadas com fatores ESG na governação societária.
De um lado, em Portugal, trata-se de uma diretriz acomodada na parte final da alínea a) do n.º 1 do Artigo 64.º CSC. Através deste preceito, a lei portuguesa já consagra expressamente a atendibilidade dos interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade.
De outro lado, é igualmente imposta a divulgação de informação não-financeira nas sociedades de elevada dimensão (Artigos 65.º, 66.º, n.º 2, 66.º-B, 451.º n.ºs 6 e 7 e 508.º-G CSC), em transposição da Diretiva 2014/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2014.
Em desenvolvimento das regras descritas, o Plano recente da Comissão Europeia sobre Financiamento do Crescimento Sustentável procura salvaguardar a sustentabilidade e a visão a longo prazo nas empresas nomeadamente através de adicionais medidas legislativas. Embora o Plano apresente um enfoque no sistema financeiro, não deixa de incluir objetivos ligados ao corporate governance, preconizando que as sociedades comerciais devam adotar uma estratégia de sustentabilidade, bem como estabelecer metas mensuráveis em matéria de sustentabilidade.
A ponderação de interesses ambientais na governação societária deve, contudo, ser conduzida com equilíbrio e sem desembocar num novo frenesim legislativo. Os instrumentos normativos fundamentais estão já em vigor. O papel fundamental é confiado às empresas e aos decisores empresariais.
Não é, assim, necessária uma adicional vaga legislativa para acolher esta orientação na governação societária. Futuras regras legislativas que venham a ser propostas, discutidas e aprovadas para cimentar a sustentabilidade através do governo societário devem ser excecionais e firmemente ancoradas no princípio de proporcionalidade.