O Compliance Officer tem hoje ao seu alcance o conhecimento e as ferramentas que lhe permitem transformar o seu modus operandi e libertar-se do estigma da função de controlo, provocando um verdadeiro impacto nas empresas e na forma como conduz cada trabalhador a fazer “a coisa certa”.
Tradicionalmente, via-se a motivação comportamental nas empresas apenas com base na legitimidade da norma: era o principio de que as leis são para se cumprir. O desincentivo ao comportamento ilegal ou antiético contava apenas com a proibição expressa e a ameaça da sanção pelo não cumprimento.
Não ignorando a importância de um enquadramento normativo sólido nas empresas; da promoção de formação interna para apoiar o processo cognitivo; de um esquema de incentivos para motivar o cumprimento; e de outros mecanismos tradicionais de Compliance; hoje reconhece-se também a importância das ciências comportamentais no robustecimento do papel do Compliance. Ao dar as mãos à psicologia organizacional, à sociologia e a outras ciências sociais e comportamentais, o Compliance não se limita a olhar para a norma, mas estende o seu âmbito à ética e à cultura.
Os comportamentos menos éticos nem sempre resultam de uma escolha consciente, mas podem ser explicados pela capacidade do trabalhador ignorar, desvalorizar ou até justificar a si mesmo a sua conduta. É o estudo e compreensão das motivações por detrás do comportamento humano, que permitem ao Compliance atuar a montante desse processo e promover uma cultura de cumprimento e ética.
Vejamos o caso paradigmático do normativo interno das empresas. Estudos demonstram que é muito significativa a percentagem de trabalhadores que não conhecem – por desinteresse – ou não compreendem – pela sua complexidade – as normas internas. O Compliance pode fazer a diferença a este nível, posicionando-se na perspetiva dos destinatários das normas. Certas empresas utilizam plataformas inovadoras e interativas para informar, aconselhar e divulgar os seus princípios e valores internos, em alternativa a disponibilizar apenas documentos para consulta. É, por exemplo, o caso de uma farmacêutica[1], que disponibiliza uma plataforma online que orienta os seus colaboradores no processo de tomada de decisão e recomenda leitura especifica conforme necessidades específicas identificadas.
Atentemos também ao caso de um banco[2] que, mediante a utilização de algoritmos, deteta sinais ou padrões, que permitem antecipar potenciais situações de incumprimento por parte dos seus traders (operadores de mercados financeiros) e atua preventivamente, enviando um alerta ao trader relembrando-o da norma legal ou regra de conduta que poderá estar prestes a infringir e solicitando que reconsidere a sua ação.
A utilização de notificações pop-up é um mecanismo amplamente utilizado (pelo reduzido custo e comprovada eficácia) para promover a consciencialização dos trabalhadores para um determinado risco e assim evitar incumprimento de normas – é o caso da mensagem que salta no ecrã quando o trabalhador está prestes a enviar um documento confidencial para um endereço de e-mail não seguro; ou quando está a tentar aceder a determinados websites – de redes sociais por exemplo – cujo acesso não estando proibido pelas empresas é ainda assim desincentivado, e surge uma mensagem questionando: “o acesso a este website não é autorizado pela política interna, tem a certeza que pretende prosseguir?”.
Embora a tecnologia seja um importante facilitador de soluções de Compliance que envolvam uma componente comportamental, a pressão exercida pelos pares pode ser também um trunfo valioso para o Compliance. É o caso da utilização da publicação de estatísticas, da divulgação de situações reais, ou da comparação entre equipas, para dar alguns exemplos.
No mesmo sentido, uma companhia aérea inclui numa publicação interna para os seus trabalhadores uma rubrica chamada “o Erro do mês”. Esta iniciativa pretende promover uma cultura de transparência, implicitamente sugerindo que “errar é humano” e que não deve haver constrangimentos em assumir e corrigir os erros cometidos.
Esta abordagem do Compliance nas empresas, utilizando o conhecimento de ciências sociais e comportamentais, permite chegar aos trabalhadores com ações de fácil compreensão, atrativas e atempadas. Esta tendência ficou conhecida como nudging, depois de Richard Thaler e Cass Sunstein definirem este método como “qualquer aspeto da arquitetura de escolha que altera o comportamento de pessoas numa direção prevista sem coação ou proibição de qualquer opção ou alteração significativa dos seus incentivos económicos”.
Conhecendo-se a origem dos desvios e da persistência de certas situações de incumprimento, os departamentos de Compliance podem atuar, ainda que implicitamente ou subtilmente, sobre os preconceitos, as motivações, e códigos culturais e sociais que estão na base das situações, conduzindo os trabalhadores a tomarem melhores decisões de forma autónoma e voluntária.
[1] https://www.novartis.com/our-company/corporate-responsibility/ethics-risk-compliance/code-of-ethics.
[2] http://www.bloomberg.com/news/articles/2015-04-08/jpmorgan-algorithm-knowsyou-re-a-rogue-employee-before-you-do.