Vigência do novo código de governo das sociedades de matriz privada

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Desde 1999, com a publicação das Recomendações sobre o Governo das Sociedades Cotadas da CMVM, as quais antecederiam o seu futuro código de governo, o quadro do governo das sociedades deixou de ter como referência exclusiva as normas legais, no sentido tradicional da expressão, passando a acolher igualmente outros instrumentos, ainda que de cariz mais flexível, suscetíveis de reger ou orientar as escolhas que, em determinadas matérias, cada sociedade pode adotar.

Posteriormente, a partir de 2007, o lugar central do sistema português de governo societário passou a ser ocupado pelo código de governo das sociedades da CMVM, o qual, na versão publicada em 2013, perdurou até ao final de 2017.

Enquanto esteve em vigor, manteve-se ininterruptamente a adoção deste código de governo das sociedades, de génese pública, pela totalidade das sociedades cotadas em Portugal, situação que não foi alterada pela circunstância de o Regulamento n.º 4/2013 da CMVM ter previsto a possibilidade de as sociedades emitentes adotarem um código de governo diferente do proposto pela CMVM.

Em 2013, resultado de um processo de diálogo bastante profícuo com a AEM – Associação de Empresas Emitentes de Valores Cotados em Mercado, o IPCG apresentou um código de governo das sociedades alternativo.

O novo código de governo, porém, não colheu a adesão de nenhuma empresa cotada, pelo que o seu texto viria a ser reformulado, logo em 2014: porém, encontrando-se em plena vigência o código de governo das sociedades da CMVM, já na versão de 2013, manteve-se o insucesso do código de matriz privada na atração das empresas.

Em qualquer caso, certo é que, a partir de 2013, passaram a estar disponíveis para adoção em Portugal dois códigos de governo diferentes, um de fonte pública e outro de génese privada, suscitando uma situação de dualismo indesejável suscetível de dificultar a comparabilidade pelos investidores e de gerar confusão quanto ao exato quadro em vigor.

Ainda que tais efeitos negativos se mostrassem muito mitigados pela circunstância de nenhuma sociedade cotada ter aderido ao novo código, foram existindo manifestações públicas de apoio, designadamente da CMVM e da AEM, ainda que com pressupostos distintos, à substituição do código da CMVM por um código de iniciativa privada.

Em Março de 2016, a CMVM e o IPCG publicaram um comunicado conjunto no qual informavam que as duas entidades haviam chegado a acordo quanto às bases essenciais que deveriam conduzir à emissão de um código “unificado” de governo das sociedades.

Nesse comunicado enfatizava-se igualmente que o papel assumido pela CMVM, desde 1999, de produção e promoção de um código de governo das sociedades, e que pretendera preencher uma falha de regulação, parecia poder cessar visto que a discussão sobre o governo das sociedades alcançara em Portugal uma maturidade que justificava maior preponderância das iniciativas da autorregulação as quais deveriam passar a afirmar-se como foro privilegiado da definição das boas práticas de governo.

Para a decisão da CMVM terá contribuído a experiência de matriz privada relativa à monitorização do acolhimento das recomendações de bom governo desenvolvida pela Universidade Católica Portuguesa, experiência fecunda de autorregulação no quadro do governo das sociedades que decorreu com assinalável sucesso entre 2011 e 2014.

Durante esse período, sob o título O Governo das Sociedades em Portugal: Relatório sobre o Acolhimento de Recomendações, Índice e Rating de Governo Societário, a convite da AEM, a Universidade Católica Portuguesa produziu uma sequência de relatórios sobre o acolhimento das recomendações consolidando uma experiência inovadora, eficiente, privada e atempada, de controlo da aplicação real do código de governo, e fundamental para a consolidação de um sistema completo de governo societário em Portugal.

Confortado pelo comunicado conjunto acima mencionado, o IPCG sujeitou a consulta pública, em Junho de 2016, um novo projeto de código de governo das sociedades.

E, mais de um ano decorrido, em Outubro de 2017, a CMVM e o IPCG assinaram publicamente um protocolo que estabeleceu os princípios de cooperação entre ambas as entidades tendo em vista a entrada em vigor do novo código de governo das sociedades do IPCG e a eventual substituição do código da CMVM.

O novo código de governo “unificado” foi apresentado, nestes termos, em Outubro de 2017.

Contudo, como é sabido, a existência de um novo código, ou texto recomendatório, consubstancia, apenas, um dos vários elementos necessários para a construção desse sistema completo de governo (em todos os seus aspetos essenciais, e.g., mecanismos de interpretação, revisão, monitorização, credibilização, comunicação e resolução de eventuais conflitos, bem como de articulação com modelos de relatório preexistentes, e em todos as suas cambiantes, de imparcialidade, independência, transparência, e temporalidade).

Ao processo de definição do sistema completo de governo viriam a dedicar-se o IPCG e a AEM, a partir de Outubro de 2017, tendo apresentado, em Fevereiro de 2018, o Protocolo, assinado pelas duas instituições, que estabeleceu as bases e os termos da futura monitorização e acompanhamento do novo código[1].

Com a celebração desse protocolo, o qual entrou de imediato em vigor, tornou-se igualmente possível a vigência do novo código do governo das sociedades do IPCG, o qual, nos termos do acordado entre a AEM e o IPCG, passou a vigorar, na versão (2018) então publicada, com produção de efeitos à data de 1 de Janeiro de 2018[2].

Termos em que, para as sociedades cotadas que venham a decidir no sentido da adoção deste código de governo das sociedades, o respetivo processo de decisão e adoção decorre durante o ano de 2018, e com eficácia, portanto, em relação ao reporte sobre o grau de acolhimento a realizar em 2019.

Ou seja, o novo código de matriz privada aplica-se já no ano de 2018, devendo o Relatório de Governo Societário, a aprovar em 2019, por referência a 2018, ter por base este código.

Nos termos do Protocolo celebrado entre a AEM e o IPCG, o acompanhamento dos diferentes aspetos da “vida” do Código será realizado por duas comissões:

– Comissão de Acompanhamento e Monitorização (CAM), constituída por Pedro Maia, Alexandre Lucena e Vale, Ana Perestrelo de Oliveira, Carlos Gomes da Silva, Isabel Ucha, José Gonçalo Maury, José Veiga Sarmento e Paulo Câmara;

– Comissão Executiva de Acompanhamento e Monitorização (CEAM), constituída por Duarte Calheiros, Abel Sequeira Ferreira, Inês Serrano de Matos, Mafalda de Sá e Rui Pereira Dias.

A CEAM que, nos termos do Protocolo celebrado, tem entre as suas principais funções “apoiar as empresas emitentes na adequada interpretação do Código de Governo das sociedades”, disponibilizou para o efeito o e-mail de contacto ceam@cam.cgov.pt através do qual as empresas cotadas deverão dirigir todas as questões relativas ao código e respetiva interpretação.

 

[1] O protocolo pode ser consultado aqui

[2] O código pode ser consultado aqui