Os modelos de governo das SIGI

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O Decreto-Lei n.º 19/2019 veio introduzir no nosso ordenamento jurídico, a partir de 1 de fevereiro de 2019, a figura das sociedades de investimento e gestão imobiliária (“SIGI”). As SIGI são um novo tipo de sociedades de investimento imobiliário que se dedicam principalmente a investir e gerir ativos imobiliários e que devem obedecer a um conjunto de requisitos específicos, entre os quais, a negociação de todas as suas ações em mercado regulamentado ou sistema de negociação multilateral.

Ao contrário de outras entidades com propósito e estrutura relativamente similares (p. ex., os organismos de investimento coletivo sob forma societária autogeridos de capital fixo), as SIGI são sociedades anónimas não sujeitas a regulação e supervisão prudencial. As normas de governo societário que lhe são aplicáveis cingem-se, por isso, às previstas no Código das Sociedades Comerciais (CSC) e no regime das SIGI. Caso sejam admitidas à negociação em mercado regulamentado, deverão também adotar, numa base de comply or explain, as normas previstas no Código de Governo das Sociedades do IPCG.

A lei estabelece apenas uma única norma especial relativa ao governo societário das SIGI para além do previsto no CSC: a obrigatoriedade de adotarem o modelo de fiscalização previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 413.º do CSC.

A referência causa alguma estranheza, já que o modelo de fiscalização em causa (conselho fiscal e ROC) é apenas uma modalidade mais reforçada do modelo de governo latino e pressupõe naturalmente que a sociedade em causa tenha adotado esse modelo. Nestes termos, impõem-se as seguintes questões: terá querido o legislador impor, através dessa referência, um dos modelos de governo em detrimento dos demais, impossibilitando que uma SIGI se organize ao abrigo do modelo anglo-americano ou dualista germânico? Ou terá querido apenas determinar que, quando as SIGI optem pelo modelo de governo latino, devem adotar a modalidade de fiscalização reforçada, mesmo que não cumpram os requisitos que normalmente determinariam a sua obrigatoriedade?

Parece-nos que a interpretação acertada, por ser mais consentânea com o espírito da lei e a lógica do sistema, é a segunda.

Desde logo porque, no caso concreto, não se vislumbram razões ponderosas que justificariam coartar a liberdade dos agentes económicos de organizar a sua atividade como melhor entendam, nomeadamente optando por um dos três modelos de governo previstos no artigo 278.º do CSC.

Além disso, sendo certo que o regime das SIGI é marcado por um conjunto de normas imperativas que apontam para a simplicidade deste tipo de sociedades anónimas (p. ex. apenas uma categoria de ações ou a impossibilidade de atribuição de vantagens aos promotores na constituição por subscrição pública), verdade é que o modelo latino, apesar de ser estatisticamente o mais comum, não representa necessariamente por si só um modelo de governo mais simples que os demais, nomeadamente quando a modalidade de fiscalização seja a da alínea b) do n.º 1 do artigo 413.º do CSC.

Acresce que os outros modelos preveem obrigatoriamente a figura do ROC autónomo, que o regime das SIGI quis justamente prever para este tipo de sociedades. Seria, por isso, pouco lógico que a lei impedisse modelos de governo distintos em que o ROC autónomo é obrigatório e ao mesmo tempo determinasse que o único modelo possível fosse o latino, desde que … com um ROC autónomo.

Por outro lado, os regimes das figuras congéneres internacionais das SIGI – algumas das quais serviram de forte inspiração ao legislador português (como é o caso das SOCIMI espanholas) – não impõem semelhante obrigação.

Assim, parece-nos que, para além da adoção do modelo latino reforçado – que, em qualquer caso, já seria obrigatório para as SIGI emitentes de ações admitidas à negociação em mercado regulamentado -, as SIGI poderão alternativamente optar pelos modelos anglo-americano ou germânico.

Por fim, note-se que apesar de se passarem agora a prever legalmente novas situações (para além das referidas no artigo 413.º, n.º 2, al. a) do CSC) em que a modalidade de fiscalização reforçada no modelo latino é obrigatória, o regime das SIGI não impôs os requisitos previstos nos artigos 414.º, n.º 3, 423.º-B, n.º 4 e 444.º, n.º 2 e 5 do CSC, pelo que não existem requisitos específicos de independência dos membros do órgão de fiscalização quando as SIGI sejam emitentes de ações apenas negociadas em sistema de negociação multilateral.

Em conclusão, as SIGI devem assumir-se como veículos de investimento flexíveis, devendo poder optar pelo modelo de governo que melhor lhes aprouver, atendendo à estrutura acionista, à maior ou menor dispersão do capital, ao perfil dos membros dos órgãos de administração ou de fiscalização ou quaisquer outros fatores relevantes que os promotores ou acionistas determinem. A sua competitividade também estará certamente ligada à flexibilidade e autonomia privada que lhes seja reconhecida.